Capítulo Vinte e Oito - Nova Versão!

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[Hall Endres]

Me desvencilhar de Diego foi uma completa luta. Eu havia percebido como ele gostava de ficar: um braço na minha cintura que, antes de dormir, fazia círculos lentos na minha barriga como se eu fosse uma criança. Então os movimentos paravam e o peito dele demorava um pouco menos para contrair, isso queria dizer que ele já estava dormindo. Fiquei procrastinando o plano durante quase meia hora, mas enfim tomei coragem para me levantar e deixar o braço dele agarrando um dos travesseiros. Caminhei na ponta dos pés, com a respiração tão gelada quanto meu sangue dentro das veias, e percebendo que a cada passo em direção ao escritório dele, minhas pernas ficavam menos bambas e mais determinadas. Era quase como se fosse normal o que eu estava prestes a fazer. Eu estava procurando aquela maldita carta que Gerry mandou para a mãe dele. Algo dentro de mim (algo sádico, sem dúvida) queria ver quais palavras ele usou e quais frases montou, isso porque eu estava curioso e ignorando completamente a noção de perigo. Diego estava dormindo a menos de trinta passos de mim, seu ronco suave era uma melodia que anunciava minha derrota quando chegasse ao fim.

Enquanto tocava, porém, eu estava a salvo. Vasculhei a mesa dele apenas com as pontas dos dedos. Levantei um caderno preto, revelando uma pasta cheia de papéis com marca texto amarelo. Clipes de papel, um calendário com datas marcadas em caneta azul em uma letra delicada. Ele era bem organizado ao mesmo tempo em que não era,

totalmente. Sua mesa estava cheia de coisas, até havia uma caixa de lápis com giz de cera. Não sabia para que era aquilo. Deixei de lado. Não ousei encostar no computador dele, não havia nada nele que poderia me interessar. O que eu queria estava escrito em papel, por um louco.

Após o que pareceu ser uma eternidade, eu achei. Uma carta. O envelope estava rasgado e meio amassado, mas o conteúdo principal estava intacto. A folha era imaculadamente branca e as letras estavam delicadas ali, sem erros. Mas também sem tradução. Eu devia esperar que tudo estivesse em espanhol, a língua de todos eles. Mas como eu poderia sufocar a esperança de que eu poderia vir a entender aquilo? Eu não tinha tempo para ficar frustrado, são quase quatro da manhã. Saquei meu celular do bolso e tirei uma foto da carta, mantendo o flash para espantar a escuridão em volta, que quase me engolia. Dobrei o papel com cuidado, e tentei deixar exatamente igual. Não mexi em mais nada, afinal.

Não consegui sair do escritório. Ouvi a cama rangendo sob o peso do corpo de Diego. Minha respiração ficou presa pela metade, e meu coração ganhou o dom de ir mais depressa que um foguete. De repente meu corpo inteiro baixou de temperatura e senti meus pés descalços arrepiarem pelo contato com o chão igualmente frio. Parecia impossível que eu conseguisse me mover de novo. Mas o barulho sumiu depressa. Assim, apenas um ruído. Uma falha. Meu pescoço havia ficado menos dolorido, como se uma faca fosse afastada dali. Tentei me concentrar em ouvir mais, mas estava com medo de permanecer ali parado e decididamente culpado. Para não arriscar, me movi com velocidade e cautela, indo diretamente para o banheiro. Lá, tentei controlar minha respiração e fazer meus dedos gelados reagiram ao calor do meu corpo, que estava ficando cada vez menos tenso com o crescente silêncio.

Silêncio é bom.

Silêncio significa que estou salvo.

Tudo bem.

Tudo bem.

Então me olhei no espelho e tomei o maior susto da minha vida. Aquele era eu, desgrenhado e com olheiras roxas e fundas, com os lábios rachados e um hematoma na bochecha que não havia melhorado em nada. Eu parecia... arruinado. Arruinado até a última célula. Há muito já havia entendido que meu corpo era algo que eu não apreciava, em algum momento ele havia sido algo sem importância. Eu havia entendido que meus talentos ou meu dom estavam sendo subestimados por mim mesmo, porque eu era mestre em tratar minhas qualidades como se fossem desnecessárias, eu não cuidava delas, eu não as aprimorava. Então elas eram esquecidas. Toquei a marca roxa e esverdeada na minha pele. Minha nossa. Parecia que aquela marca era a primeira coisa que me fazia sentir real. Porque doía, e a dor retumbava nos meus ossos e órgãos.

Minha Salvação | Série Irmãos Laurent-(Livro 1) (Romance Gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora