Capítulo Vinte - Nova Versão!

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[Hall Endres]

A água levava embora o sangue, mas não rápido o suficiente. Enquanto eu tentava, desesperado, fazer com que o sangue desgrudasse dos meus dedos e do azulejo da pia, os passos foram se aproximando do banheiro. E eu soube que estava ferrado. Não era Diego, era alguém procurando por ele, alguém que tinha a permissão de aparecer aqui quando bem entendesse.

Consegui desligar a torneira no mesmo segundo em que ouvi a maçaneta girar e depois, retornar ao lugar, o barulho da fechadura impedindo que as dobradiças trabalhassem de forma correta.

— Diego? Abre isso. O que está acontecendo?

Era uma voz extremamente preocupada que me dava nos nervos.

Acabo ficando quieto no banheiro, não ousei me move ou respirar tão forte, parecia um jogo e a qualquer movimento, o menor deles, eu perderia, eu acabaria deixando que os raios me atingissem e, fim.

As batidas na porta ficaram mais insistentes até se transformarem em socos. O estranho do outro lado já havia deduzido que não era Diego dentro do banheiro e agora ameaçava arrombar a "porra" da porta.

Foi então que uma segunda voz se fez presente do outro lado, a voz de um outro homem, porém, mais calmo que o primeiro. E ele chamou meu nome.

— Senhor? Hall? Sou funcionário aqui do hotel, o senhor Diego pediu que eu... conferisse se estava tudo bem, se o senhor desejaria alguma coisa.

A voz do funcionário estava assustada também. Me senti culpado.

As mangas longas da minha camisa estavam molhadas pela minha atrapalhada na torneira, e meu peito estava ardendo, o sangue havia manchado aquela parte, pequenas manchas que agora formavam uma poça no tecido, grudando-o à minha pele. O cheiro metálico não me deixava enjoado, fazia tempo que não, mas agora é como se fosse a primeira vez que eu o sentia, e me sinto tão, tão culpado que estou a ponto de abrir o berreiro e pedir para aquele funcionário ligar para Diego e tirar quem quer que seja que esteja com ele do outro lado da porta.

Eu estava me sentindo patético e, mais que isso, eu me sentia novato no quesito "medo", sendo que eu não era.

— Senhor, Hall? Está me ouvindo...?

— Sim — arquejei. Acabei prendendo minha respiração por tempo demais, e isso fez meus pulmões queimarem e em minhas primeiras palavras saíssem forçadas. Tentei tossir para disfarçar. — Estou ouvindo. Eu só apaguei... na banheira.

Olhei para a banheira.

Que merda, eu nem sequer entrei naquela coisa desde que pisei aqui. mas agora me pareceu um bom plano, seguindo o ditado: situações desesperadas requerem medidas desesperadas. Acabei abrindo a torneira para que aquela bacia de porcelana cinza e branca enchesse, o que não demorou tanto quanto eu esperava; do outro lado, os dois homens discutiam. O primeiro, o raivoso, estava ordenando que o funcionário conseguisse uma chave extra para abrir e me tirar do banheiro, já que eu não morava aqui. O funcionário, que nem chegou a me dizer o nome, gaguejava, argumentando que eu estava aqui desde a semana passada, com Diego, e agora o trabalho dele era garantir que eu estivesse bem. Quase ri.

A discussão deles abafou o som da água caindo. E quando finalmente entrei na banheira, percebi que poderia fazer esse plano dar certo, só precisaria pensar um pouco mais. A água encharcou minhas roupas, disfarçando o vermelho que se destacava em meu peito, agora tudo era escuro e grudava a minha pele. Minhas mãos se livraram dos requisitos que haviam grudado e não saído com a água da torneira da pia, mas agora, eu conseguia limpá-las bem. E tratei de esfregar minha camisa, mesmo que não tenha a tirado. Eu sabia que o homem cederia às exigências e acabaria pegando uma chave reserva, para saber se eu estava mesmo bem.

Foi então que percebi o meu erro. O barbeador ainda estava sujo de sangue, em cima pia. Eu estava pesado, minhas roupas molhadas — o jeans, as meias e a camiseta — me faziam ter um peso a mais, sempre me puxando para baixo. Foi um esforço enorme ter que me levantar, andar sem escorregar e pegar o barbeador. Não tive tanta sorte, a porta foi aberta no instante em que escondi o objeto às costas, a mão apertando com força o cabo e o mindinho encostando na ponta da lâmina.

Quem entrou primeiro no banheiro foi um homem de terno azul-escuro e gravata cinza que mais se parecia feita de escamas, pelo tanto que brilhava. Nos encaramos por apenas um segundo antes que ele avançasse na minha direção e me sacudisse pelos ombros, e, incrivelmente a força dele era enorme. Ele era alto, também, e seus dedos machucavam meus ombros. Sei que acabei escorregado e indo para no chão.

— Ai — resmunguei.

— Pare! Ei, senhor! — O funcionário era baixinho, mas não parecia ser jovem, tinha rugas fundas abaixo dos olhos e sua boca era pequena, dentes amarelos. — Pare com isso!

Olhei para cima.

Minha franja molhada estava impedindo que eu visse com clareza, mas tenho certeza de duas coisas: aquela homem que agarrara meus ombros e me pusera no chão, era lindo, e, raivoso. Sua beleza estava contorcida pelos traços fundos de ódio, até mesmo seus olhos verdes pareciam quentes, como aquelas fumaças venenosas de desenhos animados que são verdes e formam caveiras antes de se dissiparem no ar.

A navalha acabou sumindo. Ela deve ter escorregado para o armário sob a pia, naquele pequeno espaço escuro. Não ouso olhar para lá uma segunda vez. Encaro o homem acima e decido que preciso me levantar, mas minhas pernas parecem ter esquecido de como se fazem tais coisas simples — levantar, força, força, sustentar o corpo, andar —, por isso não me movi. De novo.

— Quem é você, porra?

— Ah... Eu... — olhei para a porta, esperando que o outro cara me ajudasse, mas ele já havia sumido — Eu moro aqui... Não! Eu não moro, apenas estou passando um tempo aqui. Só isso!

Sua boca formou uma linha esbranquiçada de desgosto. De raiva, também.

Calma, calma...

Tento imaginar como seria a situação agora vista sob outro ponto de vista. Eu estou no chão, molhado, com frio, e o homem a minha frente está se segurando para não avançar no meu pescoço. Posso sentir a raiva dele emanando em ondas que me ricocheteiam para trás, cada vez mais para perto de onde a navalha foi parar afinal.

— Quantos anos você tem? — Questionou.

Franzi o cenho para ele.

— Isso não é da sua conta — rebati.

O sorriso dele, em resposta, pareceu-me que ele queria exatamente essa resposta; como ele poderia saber, eu não sei, e não me interessa, porque estou começando a sentir a primeira coisa verdadeira desde umas horas até aqui, e esse sentimento desabrochando... é raiva.

Não pude explodir, como quis. Houve um burburinho mais ao longe de onde estávamos e eu reconheci duas das vozes: Diego, e a outra era da minha mãe. De novo, tive a visão de como essa cena em que estamos parece patética e intrigante, quase até suspeita.

Me levanto.

— Diego chegou — comento, para ele, mas não sei por que fiz isso.

— É, vamos pedir para ele esclarecer essa história.

O modo como ele disse aquilo quase pareceu uma ameaça. Quase. Só que eu estava pensando demais para dar a devida importância que eu sabia que ele queria.

Os cabelos castanhos, quase avermelhados, da minha mãe aparecem. Então a vejo por completo, e quando nos encaramos, percebo como ela ficou apavorada em me ver como estou. E, ao olhar para o homem seco e limpo ao meu lado, seu olhar também havia ganhado um tom de fúria no castanho.

— O que aconteceu? — Perguntou, alto.

Não sabia como começar a explicar.

Minha Salvação | Série Irmãos Laurent-(Livro 1) (Romance Gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora