VII. Tão perto

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Azula desconfiava que Ty Lee não vinha mais ao estúdio com a intenção de agendar uma tatuagem, e sim que era apenas uma desculpa para desfrutar da companhia. O porquê dela se submeter à companhia de Azula por vontade própria é que era um mistério. A maioria das pessoas a descreveria como desagradável, arrogante, controladora e mal-humorada. E, bem, até Azula reconhecia que eles estariam certos.

Ela parou de se importar. Ty Lee não a irritava tanto uma vez que Azula já estava acostumada. Às vezes, ela até achava a florista engraçada. A ausência de ruído quase incomodava nos dias que Ty Lee não vinha. O silêncio amplificava os sons da máquina de tatuagem, que pareciam perfurar o cérebro de Azula depois de certo tempo.

— Cadê a garota das flores? — perguntou June. Até ela já estranhava a ausência.

Azula deu de ombros.

— Que pena. Aqui tá tão silencioso — respondeu a sócia.

— É pacífico — disse Azula.

— Como assim?

— Só quero dizer que é irritante tentar trabalhar com alguém falando o tempo todo no pé do seu ouvido.

June riu e chacoalhou a cabeça.

— Ah, mas ela é tipo sua fã. É fofo. Quem sabe vire sua aprendiz de tanto te observar tatuando.

Azula ficou mortificada com a ideia. Ela não tinha certeza se confiaria Ty Lee com agulhas, ainda mais com aquele nível de indecisão quase patológico.

— Eu preferiria morrer.

Após mal dizer a última sílaba, Azula congelou ao ouvir o sino da porta de entrada tocar. Ela se virou devagar, com os músculos enrijecidos, e deu de cara com o sorriso radiante e familiar de Ty Lee.

— Boa tarde! Eu comprei café — Ela chacoalhou o café em mãos — Eu teria trazido pra vocês, mas não sabia o que vocês pediriam. Quem sabe da próxima?

— Que gracinha — disse June, estudando Azula com uma expressão travessa.

Azula não soube o que dizer, então permaneceu calada. A ideia de receber café não era tão ruim assim. Ty Lee deu um gole no dela e se sentou no lugar de sempre. Normalmente, Azula perguntaria se ela já havia se decidido, mas não perdeu tempo. A tatuadora tinha quase certeza que Ty Lee só iria enrolá-la novamente.

— Ok, eu confesso. Ainda não consegui escolher — Ela compartilhou após exatos sete segundos de silêncio, mesmo sem ser perguntada.

O comentário não surpreendeu ninguém.

— Se você já tá indecisa com o desenho, nem imagino como vai ser pra escolher o local — disse Azula, sem encará-la.

Ty Lee foi surpreendida de novo, mas se recuperou rápido. Pelo menos isso já havia cruzado a mente dela diversas vezes.

— Eu consegui reduzir pra algumas opções de local, na verdade. Pensei em fazer em alguma parte do braço esquerdo, atrás do ombro, no pé da barriga ou então um mesmo desenho espelhado na clavícula, dos dois lados.

Azula virou-se para analisá-la e se levantou sem dizer nada. Ela foi até Ty Lee com uma das canetas que usava para fazer stencil e uma fita métrica. Então, segurou o braço da florista e começou a fazer marcações. Ty Lee não soube como reagir então apenas contribuiu para o que quer que Azula estivesse fazendo, esticando o braço e se movendo para facilitar o serviço.

Naquele dia, Ty Lee usava uma blusa de alça, então Azula a manuseou para fazer marcações atrás de um de seus ombros. Depois, girou Ty Lee novamente e começou a desenhar em sua clavícula. A florista olhou para cima, tentando evitar contato visual naquela posição constrangedora, o que com certeza a faria corar.

Azula, sem muito aviso prévio, segurou a barra da blusa e gesticulou para Ty Lee levantá-la o suficiente para que ela pudesse rabiscar o pé da barriga da garota. Só então, após o serviço completo, Azula usou palavras.

— Talvez, se você olhar no espelho e comparar, você vai ter facilidade em escolher um local.

Ty Lee se dirigiu ao espelho do estúdio. Enquanto isso, June observava a cena de longe, embora dividisse a atenção com seu próprio bloco de rascunhos. Ela trocou um olhar com Azula que fez com que Azula revirasse os olhos.

— O que você acha? — Ty Lee perguntou depois de se analisar no espelho por alguns instantes.

— Eu? Por que importa o que eu acho? — Azula cruzou os braços.

A florista riu com a resposta, dissolvendo qualquer animosidade que pudesse estar contida na entonação de Azula.

— Tipo, você enquanto tatuadora. Eu queria sua opinião sobre o grau de dor e talvez a estética também.

— Ah — Azula achou razoável — Bom, a dor pode variar de pessoa pra pessoa. Desses locais, provavelmente o braço dói menos. Com relação à estética, se fosse qualquer outro desenho minha resposta poderia ser algo específico, mas acho que flores ficam bem em qualquer local.

Azula achava que não havia dito nada de muito útil, especialmente para alguém que apresentava tanto problema de escolha feito Ty Lee. Apesar disso, era sua resposta honesta.

— Acho que eu vou escolher a clavícula — Ty Lee respondeu pouco depois.

June abriu um sorriso em aprovação e voltou para seus rabiscos. Azula se surpreendeu com a falta de hesitação, mas disfarçou e balançou a cabeça em afirmação.

— Ok. Você sabe que nesse caso seriam duas tatuagens, né?

— Aham.

— Ótimo. Então agora só falta você escolher o design.

Rapidamente, a determinação de Ty Lee fugiu de seu rosto e ela voltou a franzir a testa indecisa. Azula quase acreditou que elas agendariam a tatuagem naquela tarde. Pelo visto, ela ainda precisaria de mais tempo.

Ty Lee pegou o álbum de tatuagens flash e se sentou novamente.

A Serpente em meu JardimOnde histórias criam vida. Descubra agora