XLII.

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As idas à casa de chá lentamente foram virando rotina. Azula não conseguia resistir muito ao chá e à comida, mas, especialmente, sentia que precisava ver o irmão. À princípio para atormentá-lo, porque era divertido. Agora, vê-lo sem trocar qualquer palavra bastava.

— Nós fazemos promoções especiais no Dia dos Namorados — Zuko comentou quando foi anotar o pedido dela.

— E eu com isso? — Ela ergueu uma sobrancelha.

Uma veia pulsou na testa de Zuko.

— Você tem ou não tem uma namorada?

— Ah.

Azula não tinha parado para pensar ainda naquela data comemorativa. Ela não tinha nada planejado. Conhecendo Ty Lee, era muito capaz que a garota já tivesse comprado os presentes e alugado um carro de som. Azula precisava começar a pensar em algo.

— Bom, teremos bebidas e pratos temáticos, além da decoração e tudo mais — Ele continuou, com um tom de irritação — Se você vier com a Ty Lee, receberão desconto de casal.

— Bom saber — Azula respondeu sem animosidade — Zuzu, podemos conversar?

Ele a encarou desconfiado, como sempre. Então, sentou na frente dela com hesitação.

— O que houve?

— Sabe, você é patético com garotas — O comentário fez ele revirar os olhos e quase se levantar, porém Azula o impediu — Mas eu não tenho amigos. Evidentemente.

— Evidentemente — Ele concordou.

— O que eu devo dar de presente pra Ty Lee?

Zuko deu de ombros.

— Eu sei lá.

Azula franziu as sobrancelhas numa careta zangada.

— Você é um inútil.

O irmão mais velho suspirou.

— A última vez que eu presenteei uma garota foi um fracasso. Foi humilhante, para dizer o mínimo. Sokka e Suki saberiam te ajudar mais do que eu.

Ela apoiou a cabeça em uma mão e virou o rosto.

— Esquece. Eles me odeiam.

Zuko colocou as mãos na mesa e se inclinou na direção da irmã.

— Você pode, sei lá, tentar pedir desculpas.

Aquela foi a deixa para Azula gargalhar, fazendo com que ele franzisse a testa.

— Essa foi boa, irmãozinho.

— É sério, Azula. O que te impede?

Ela revirou os olhos.

— Por que você faz questão, hein? Quais os benefícios de ter amigos? Eu me viro bem sem eles.

— Pra começo de conversa, você teria com quem desabafar e pedir conselhos amorosos — Ele apontou e Azula não pôde argumentar — Além disso, amigos te apoiam quando você mais precisa.

— A Mai nunca foi assim comigo quando éramos amigas — Azula cruzou os braços.

— E por acaso você foi uma boa amiga pra ela?

Não. O que não deveria vir ao caso.

— Olha, amigos brigam às vezes. Nem todo mundo se dá bem o tempo inteiro. Katara e Toph vivem prestes a cair no soco, mas quando a Katara começou a vender bolinhos para pagar pelos livros de medicina, a Toph comprou tudo.

Azula não se importava muito com aquela história sobre demonstração de amizade. Toph era rica. O dinheiro não faria diferença para ela.

— Katara nunca aceitaria o dinheiro da Toph como caridade. Ela é bem orgulhosa. Toph também nunca admitiria que fez aquilo para ajudar a Katara. Mesmo assim, elas entendem que é uma demonstração de amor silenciosa. Amigos servem para isso.

Azula grunhiu, inclinando a cabeça para trás.

— Quem garante que eles iriam querer me perdoar de qualquer jeito?

— Nada garante — Zuko respondeu — Eles não são obrigados a te perdoar. Mesmo assim, você só vai saber se tentar.

— E me expôr a uma possível humilhação? — Ela riu — Não, obrigada.

— Se você coloca seu orgulho acima dos sentimentos das pessoas que feriu, realmente é melhor não pedir perdão. Não seria sincero mesmo.

Zuko começou a se levantar para retornar ao trabalho, mas as palavras perfuraram Azula. A armadura dela estava cada dia mais frágil. Talvez se permitir gostar de Ty Lee estivesse deixando ela fraca.

— Espera. Zuko.

Ele parou e aguardou pelas palavras dela.

— O que... o que exatamente eu devo dizer e fazer?

Azula mordeu o lábio. Um nó começou a se formar na barriga dela. Era outra novidade. Ela nunca havia experienciado tudo aquilo antes.

— Você precisa encontrar as palavras sozinha. Eu sei, não é um conselho muito útil.

— Eu... sinto muito.

Zuko piscou devagar. Ele parecia em choque, como se tivesse sido acertado por um raio. Azula se perguntava se era mesmo parente de uma pessoa tão idiota.

— Você... sente?

Ela revirou os olhos.

— Eu sei que fui cruel ou sei lá. Você também não foi muito legal comigo, sabia?

Não era o melhor pedido de desculpas do universo. Era um começo, pelo menos.

— Eu sei. Sinto muito, Azula.

Os olhos dela arderam. Azula sentiu as lágrimas brotarem e começou a piscar mais depressa para afastá-las. Ela se recusou a olhar nos olhos do irmão.

— Tanto faz. Digo, obrigada. Eu acho.

Zuko sorriu como um imbecil e foi embora. Azula deu um longo suspiro e derreteu em seu assento. Aquelas três palavras quase esgotaram totalmente as energias dela. Três palavras não bastariam com os outros. Ela precisaria confrontar as coisas que havia feito. Azula tentaria enfrentar aquela tortura para ser digna da afeição de Ty Lee.

Quando Zuko trouxe o pedido dela alguns minutos depois, Azula sentiu que havia algo de errado. O rosto dele parecia atormentado por algo, por mais que ele disfarçasse. Era como se um segredo estivesse entalado na garganta do irmão.

— Zuzu? Quer me contar alguma coisa?

Ele se atrapalhou, quase derramando chá quente no colo de Azula. Zuko gaguejou com as palavras, evitando encontrar o olhar dela com o próprio.

— O quê? N-não. Aproveite seu chá. Com licença.

O nó na barriga de Azula cresceu. Zuko nunca foi um bom mentiroso. Cedo ou tarde, ele terminaria soltando o segredo. Pela primeira vez, Azula não quis pressionar. Algo em seu interior a dizia que não era algo que ela quisesse saber.

A Serpente em meu JardimOnde histórias criam vida. Descubra agora