XIII. Dedaleiras

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Azula estranhou a ausência de Ty Lee. Repentinamente, elas passaram a se ver apenas quando Azula ia trabalhar, mas até o aceno de Ty Lee havia mudado. Era quase como se a florista a evitasse.

Apesar de tentar se convencer de que não se importava, Azula estava incomodada. Ela nunca fez questão da presença de Ty Lee. A garota quem insistiu em se aproximar. Então como ousava sumir assim? Por acaso não havia gostado do que encontrou? Azula deveria ter previsto.

— Seu último cliente foi há duas horas. Você tem alguém marcado para agora? — perguntou June.

Azula negou com a cabeça.

— Você pode ir embora se quiser. Sabe disso, não sabe?

Azula continuou sentada, voltada para o apoio da cadeira, onde ela havia encostado o queixo. Ela encarava a porta de vidro da entrada com determinação, quase sem piscar.

— Eu não acho que ela venha hoje — disse June.

— Quem?

Ela sabia de quem June estava falando, e June sabia que ela sabia.

— Vocês duas brigaram?

Azula suspirou e revirou os olhos.

— Não, e não importa se ela vem ou não. Nós não somos amigas e eu não ligo.

— Ok.

— É só que... É rude ignorar alguém assim.

June a encarou, segurando um ar de riso com a fala hipócrita. Mesmo assim, ficou em silêncio, porque queria saber até onde aquilo iria.

— E no fim das contas ela sequer agendou aquela tatuagem. Eu queria o dinheiro. Mas tudo bem, melhor assim. Aquela garota me dava nos nervos.

— Se quiser falar com ela, é só atravessar a rua. Ou você se esqueceu que ela trabalha do outro lado da rua?

— Eu não me esqueci, eu só não quero ir. Não tenho nada pra falar com ela.

— Ok.

— Mas talvez eu fale com ela se ela vier me pedir desculpas.

Dessa vez, June não conteve o riso.

— Desculpas pelo quê?

Azula a encarou irritada. Ela segurou no encosto da cadeira com mais força.

— Por me tratar feito lixo do nada.

— E você já pediu desculpas por isso?

— Oi?

June revirou os olhos quando Azula levantou a cabeça em surpresa. Ela não gostava de ter que soletrar as coisas para ninguém, e Azula era grandinha demais para ser tão ignorante aos próprios defeitos.

— Você já pediu desculpas por tratar ela feito lixo o tempo inteiro?

Azula abriu a boca, progressivamente mais ofendida. June não se importava. Ela não teria paciência para aturar um chilique. Se Azula enchesse o saco, ela iria embora para casa. Não era como se Azula pudesse demiti-la.

— Eu... Ugh.

Para o agrado de June, Azula desistiu de discutir. Ao invés disso, cerrou os dentes e se levantou da cadeira com raiva.

— Azula, você...

— Eu não vou falar com ela.

— Ok — June sorriu — Você pode me confirmar mais tarde se posso fechar o estúdio quando eu sair?

— Tanto faz.

Azula pegou sua bolsa e saiu pela porta da frente de cabeça quente. Ela olhou para o outro lado da rua num impulso. A floricultura tinha uma vidraça que permitia aos transeuntes um vislumbre do interior. Apesar disso, as plantas, tanto do lado de fora, quanto do lado de dentro, quase engoliam completamente a figura de Ty Lee. Azula observou que ela parecia triste e distraída, mal trabalhando em seu arranjo floral.

Decidida a não engolir o orgulho e falar com a florista, Azula continuou descendo a rua. Ela estava quase no fim quando percebeu que seu apartamento ficava na outra direção. A meia volta não poderia ter sido mais humilhante.

Azula passou novamente na frente da floricultura. Ty Lee havia parado completamente de organizar o arranjo.

A porta da loja se abriu de forma ruidosa.

— O que há de errado com você? — esbravejou Azula.

Ty Lee levantou o rosto, apenas ligeiramente surpresa. A luz dourada atravessava a vidraça e iluminava todo o interior da loja, incluindo a garota. Ela estava rodeada por flores de todos os lados. Era uma visão bonita e etérea. Ty Lee sorriu.

— Olá, Azula. Seja bem-vinda.

Azula piscou, sentindo-se estúpida por ter entrado e pela maneira que falou. Agora era tarde demais para voltar atrás.

— É só isso que tem a dizer?

Ty Lee olhou para o arranjo em suas mãos e deixou ele de lado. Ela cruzou as mãos e se apoiou no balcão em direção à Azula.

— Você nunca veio na minha loja antes. Posso ajudar em alguma coisa?

— Você está me ignorando.

Azula se sentia patética. Ela estava com raiva de Ty Lee por colocá-la naquela situação humilhante. A florista a encarou com uma pontada de culpa e tristeza.

— Eu sei. Me desculpa.

A honestidade pegou Azula de surpresa e ela deu um passo para trás. Talvez June tivesse razão. Talvez Azula fosse o problema. Talvez Ty Lee estivesse farta.

— Eu fiz alguma coisa?

— Ah... — Ty Lee desviou o olhar — Não é... Azula, eu sei que te irrito bastante, mas eu queria que você confiasse em mim.

— Do que você tá falando?

— Você sempre parece estar evitando alguém. Eu percebi isso nas vezes que saímos, mas não entendia ainda — Ela continuou — Acho que você já sabia que eu iria descobrir um dia.

Azula engoliu a seco. É verdade, ela esperava que Ty Lee soubesse alguma hora, só não esperava que fosse tão cedo.

— Eu não sabia como abordar o tópico, por isso acho que te ignorei. Não era bem a minha intenção, mas eu não queria te irritar.

Ty Lee a encarou com cautela, mas Azula permaneceu calada, como se estivesse em choque.

— Eu não deveria ter dito nada, me desculpa. Eu realmente não me importo com esse tipo de coisa — Ty Lee insistiu, nervosa — Eu sei que você não é o seu pai.

A florista saiu de trás do balcão e tentou alcançá-la, mas Azula recuperou o domínio das pernas e saiu correndo. Ela sentiu os olhos pinicarem. Chorar na frente de Ty Lee seria humilhante demais. Azula queria correr o suficiente para se transformar em fumaça e sumir. Aparentemente, seu passado iria sempre persegui-la. Ela teria que desabar outra hora, em outro local. Por isso, Azula fugiu.

A Serpente em meu JardimOnde histórias criam vida. Descubra agora