XXXIII.

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É claro que, para alguém feito Azula, a felicidade só podia aparecer trazendo problemas. Ela passou anos dominando a arte de reprimir seus sentimentos, mas se permitir sentir coisas boas também trazia as emoções ruins à tona. Azula se pegava pensando cada vez mais em Zuko, em Iroh, em seu pai e até mesmo em sua mãe. Era terrível. O único momento que ela conseguia ter paz era na companhia de Ty Lee.

Azula ainda sentia falta da casa grande, com o jardim enorme e os portões de ferro, mas não era só isso. Nunca havia sido só isso. Em um tempo muito longínquo, ela sentia que talvez tivesse se dado bem com o irmão. Talvez se ela não tivesse sido tão cruel com ele e com a Mai, ou talvez se Azula não tivesse escolhido o pai acima de todos... Talvez ela não tivesse ficado tão sozinha.

Tio Iroh não entendia o quanto a humilhava em suas tentativas de ajudá-la. Azula não queria ser o projeto de caridade de ninguém. Se ela aceitasse a aproximação, seria esperado que ela também tentasse se redimir. Azula não conseguia pensar em nada pior do que ir de porta em porta baixando a cabeça e implorando perdão.

Por alguma razão, algo inexplicável a compelia a ir até a casa de chá. Azula dizia para si mesma que não era saudade ou arrependimento. Mesmo assim, seu coração doía.

Quando ela abriu as portas da loja do tio, ficou aliviada por não encontrar nenhum rosto familiar. Talvez, sem a presença de Ty Lee, eles fossem mais hostis. Azula achava que, apesar de Iroh dizer que ela era bem-vinda, os outros clientes e Zuko dariam um jeito de bani-la para sempre.

— Azula? Seja bem-vinda! — disse Iroh, ainda surpreso com a presença dela. Ele sorria enquanto enxugava as mãos.

Azula se sentou em uma mesa e escolheu coisas diferentes da última vez. Ela costumava ser muito particular e inflexível com o que gostava, mas Ty Lee a inspirava a testar coisas novas.

— Onde está aquela sua amiga? Está tudo bem entre vocês? — O tio perguntou enquanto trazia o pedido dela.

Amiga. Azula riu antes de dar um gole em seu chá, que ainda estava fervendo. Era assim que ela gostava.

— A Ty Lee? Ela está em aula.

Iroh sorriu e começou a se afastar para atender outros clientes.

— Tio?

— Sim?

— Ela é minha namorada. Eu acho.

Azula girou o copo em suas mãos e evitou o olhar do tio. O que ele pensaria disso? Por que ela quis compartilhar a informação? Ninguém precisava saber. Mesmo assim, Azula se sentiu mais próxima dele quando as palavras saíram de sua boca.

— É mesmo? Ela parece ser uma boa menina — Iroh respondeu com afeição — E também se importa muito com você.

— É... eu sei — Ela respondeu, sentindo a garganta secar.

Todos pareciam considerar Azula a sortuda por estar com alguém feito Ty Lee. Todos só tinham coisas boas a dizer sobre a acrobata. Sobre o quanto ela era empática, compreensiva, justa e amigável. Inclusive sobre o quanto ela era linda. Já Azula... Por que Ty Lee queria estar com ela? E se um dia a florista caísse em si e percebesse que estava perdendo tempo com alguém tão amargurada? Azula nunca a tratou como deveria. Era questão de tempo até perdê-la.

— Azula?

A voz do tio cortou seus pensamentos. Azula percebeu que não parava de encarar o fundo do copo de chá com a testa franzida.

— Oi?

— Você está bem?

— Sim.

Ela mentiu, como sempre.

— Se estiver preocupada com o futuro, sabe que posso te dar uma previsão, não sabe? — Ele ofereceu — E se for sobre a Ty Lee, eu não acho que você precise se preocupar.

Normalmente, Azula daria um fora no tio por se intrometer em sua vida. Acontece que a atmosfera relaxante da casa de chá removia sua disposição para animosidade. Além disso, as palavras eram reconfortantes.

— Tio, ainda dá tempo de ser uma boa pessoa?

Ele ficou surpreendido com a escolha de palavras. Azula fechou os punhos com força, implorando para ele não dizer a coisa errada e irritá-la. Ela não queria estragar aquele momento.

— Nunca é tarde — Iroh respondeu, sorrindo — E o mundo sempre precisa de mais pessoas boas.

Azula expirou aliviada. Ela não queria ser uma pessoa boa para melhorar o mundo ou qualquer outro motivo de sonhadores tolos. Porém, Azula queria se tornar uma pessoa digna de estar com Ty Lee.

Ela continuou bebendo o chá e dissolveu um pouco mais os seus tormentos.

A Serpente em meu JardimOnde histórias criam vida. Descubra agora