VI. Introdução à botânica

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Ty Lee não tinha dificuldade em nomear flores e elencar os motivos para amar cada uma delas. Escolher entre seus bebês é que era o problema. Todos os dias, enquanto ela fazia os arranjos dos clientes, Ty Lee mudava de ideia sobre qual flor tatuar em seu corpo. Elas eram todas tão especiais e únicas.

— Rosas são populares por um bom motivo, mas eu queria algo diferente, sabe?

— Aham.

Azula respondia quase sem prestar qualquer atenção a ela. Já era bem a quinta visita de Ty Lee ao estúdio sem de fato agendar a tatuagem.

— E eu adoro margaridas, mas e se forem simples demais?!

— Entendo.

— Daí eu tava pensando em como as flores brinco-de-princesa são lindas de morrer, mas é impossível fazer uma tatuagem delas que não seja colorida. Os tons de fúcsia fazem parte do charme, não concorda?

— Hum. Você pode fazer uma tatuagem colorida, sabia?

— Eu sei, eu sei. Mas e se as cores não combinarem com meu guarda-roupa? Eu preciso pensar nisso.

— Ok.

— Daí ainda tem delfinos, orquídeas, hortênsias, violetas...

— Eu tenho um cliente marcado pra daqui a cinco minutos.

Ty Lee ignorou Azula apontando para seu relógio de pulso e saltou de onde estava sentada após ter uma epifania.

— Eu poderia fazer mais de uma flor, né?

— Poder você pode fazer o que quiser.

— E se eu fizesse todas? — Ela pulou, batendo palmas.

Azula cruzou os braços, finalmente encarando Ty Lee com total atenção. Ela levantou uma sobrancelha.

— Como você pretende encaixar todas as flores do planeta em dez centímetros de pele?

Ty Lee fechou a cara.

— Sabe, você pode mudar o tamanho da tatuagem — Azula emendou rapidamente — Acontece que vai ficar mais caro.

Ela ponderou o que fazer. Ty Lee imaginou seu corpo coberto por belíssimos desenhos de suas flores favoritas e a ideia a fez sorrir. Contudo, suas visitas frequentes ao estúdio a expuseram à visão de agulhas perfurando pele, lenços sujos de sangue e tatuagens que, enquanto cicatrizavam, formavam bolsas repletas de líquido. Além disso, ela não tinha muito dinheiro disponível.

— É, acho que não vai rolar...

Azula soltou um grunhido frustrado e jogou a cabeça para trás.

— Ok, tanto faz. Eu nem acho que essa tatuagem vai sair mesmo — A tatuadora resmungou, voltando a preparar o material para o próximo cliente.

Ty Lee sentiu remorso de ocupar tanto o tempo livre de Azula e, temendo arruinar ainda mais as chances de aproximação entre elas, retirou-se do estúdio prometendo só voltar quando tivesse certeza da flor que queria.

Todo cliente que vinha buscar seu arranjo floral na loja de Ty Lee durante aquela semana teve que lidar com a mesma linha de perguntas.

— Você tatuaria essa flor?

Algumas pessoas responderam "sim" ou "talvez", geralmente confusas e se afastando imediatamente. Ty Lee não obteve as mesmas reações da maioria dos seus clientes idosos, que apenas a encaravam boquiabertos com o atrevimento. Ela sabia que estava soando um pouco maluca, então reformulou a pergunta diversas vezes.

— Qual a sua flor favorita?

— Se tivesse que escolher, qual a flor mais bonita?

— O que você mais gosta sobre essas flores que escolheu pro arranjo?

As respostas foram mais calorosas para essas perguntas. Mesmo assim, Ty Lee logo percebeu que saber as flores preferidas de estranhos não a ajudava a escolher uma flor para si mesma. Talvez Azula tivesse razão. Talvez no fundo ela só estivesse enrolando para não se comprometer com uma tatuagem.

Tatuagens são permanentes, afinal. Ty Lee sempre foi uma figura inconstante e mutável.

Música: Bed of flowers - Osaki, Sleepermane

A Serpente em meu JardimOnde histórias criam vida. Descubra agora