XXXVIII.

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Tinha tudo para ser uma tarde tranquila, porém Azula abriu a porta da casa de chá. Zuko enxugou o copo que segurava e o abaixou devagar, sem tirar os olhos dela. Ele nunca podia ser cauteloso demais.

— Oi, Zuzu. Como vai?

Pelo visto, seria uma longa tarde. Ele suspirou e foi até ela, considerando demissão pela primeira vez. Faltavam poucos meses para se formar, e então Zuko arranjaria um emprego de tempo integral e não precisaria mais atender Azula.

Pensar nisso também o fazia lembrar das propostas que recebera dos ex-sócios do pai. Ele ainda não sabia o que fazer, e o tempo não parava de passar.

— Não vai me atender? O tempo tá passando.

Zuko resmungou, saindo de seus devaneios. Ele não sabia o que lhe causava mais enxaqueca: pensar no futuro ou lidar com Azula.

— O que vai querer?

— O de sempre — Ela respondeu sorrindo.

— Você ainda não tem um pedido regular.

— É mesmo? Então por que você não me prepara algo que combine comigo?

— Infelizmente estamos sem arsênico.

Ela botou para rir, o que fez Zuko franzir ainda mais as sobrancelhas. Azula de bom humor era quase sempre um mau sinal. Já Azula de mau humor também era mau sinal.

— Você ficou mais criativo, irmãozinho.

— E você ainda não fez o seu pedido.

— Eu queria ver você.

— Por quê? Eu devo pedir pro tio colocar um detector de metais na porta?

Azula respirou fundo.

— Eu conversei com a Ty Lee sobre o meu passado.

Zuko fechou o bloco de notas que usava para anotar pedidos. Ele não sabia o que pensar. Seu instinto dizia que Azula provavelmente havia distorcido tudo para sair como certa. Se Azula realmente falasse a verdade, não tinha como Ty Lee não terminar com ela, a não ser que fosse insana.

— Enquanto eu falava, eu fui percebendo que realmente passei dos limites.

Ok, isso sim era novidade. Zuko agora tinha certeza que Azula havia sido assassinada e substituída por uma impostora. Com qual propósito? Eles não eram mais ricos.

— Fala alguma coisa — Ela exigiu com irritação. Talvez ainda fosse mesmo Azula.

— Que bom que reconhece? — Zuko ofereceu.

— Você ainda me odeia?

Ele rangeu os dentes. Zuko não queria responder, porque não gostava da resposta. Azula não merecia a verdade.

— Nunca te odiei — Ele disse mesmo assim.

Azula suspirou novamente e batucou na mesa.

— Qual a sua versão do que aconteceu?

Zuko olhou ao redor. A casa de chá estava praticamente vazia, então se Azula fizesse uma cena, eles não perderiam muitos clientes. Ele se sentou na frente dela.

— Você foi cruel comigo a sua vida inteira. Você fazia de tudo pra me encrencar e me humilhar. Quando Ozai fez o que fez — Ele apontou para a própria cicatriz no rosto — Você ajudou a encobrir, corroborando com a versão de que eu me acidentei. Eu não tinha ódio de você, mas eu tinha medo e muito, muito rancor.

Azula o encarou, impassível. Normalmente, àquela altura, ela já estaria gritando ou sendo desdenhosa.

— Fechar a escola foi baixo demais, mesmo pra você. Dezenas de crianças e adolescentes ficaram sem ter onde estudar. Eles não eram feito eu e você. Nem todos tinham opções.

— Eu não tinha opções — Azula retorquiu.

— Você tinha todas as opções do mundo! — Zuko elevou a voz — Você era um prodígio. Você era rica. Seu padrão de vida não mudaria tanto se você soubesse engolir o próprio orgulho. E daí se um colégio de elite esnobe te expulsou? Você tinha escolha, só não gostava das suas opções. Não era o caso deles, Azula.

Ela virou o rosto e cruzou os braços, quase se encolhendo.

— Você me chamou de traidor por ficar amigo deles. Eu fui forçado a fazer alguma coisa. Ozai os prejudicou por anos e você colocou o prego no caixão. Eles nem queriam olhar na minha cara no começo.

Azula ainda não olhava nos olhos dele. As unhas dela pressionaram com mais força contra a pele dos braços.

— E, por outro lado, eu tinha que me lembrar que você não tava no juízo perfeito.

— Cala a boca! — Finalmente Azula havia estourado. Até que demorou — Eu não aguento mais!

— Não aguenta mais que apontem seus erros?

— Não. Eu não aguento mais que me tratem feito maluca.

Zuko piscou devagar. Ele nunca havia considerado que aquilo magoasse Azula. A reação dela começava a colocar algumas coisas em perspectiva.

— Ok, eu sou péssima e horrível e tudo mais. Isso eu já entendi. Não precisa tentar justificar ou explicar minhas ações com a minha insanidade.

Ela estava furiosa.

— Eu quero tentar fazer essa baboseira de ser uma pessoa melhor, mas é difícil. Eu ainda não consigo sentir remorso por tudo que eu fiz. Eu estava zangada, magoada, traída. Sei que não fui razoável, mas e daí? Só posso prometer tentar não fazer de novo.

— Isso não é o suficiente.

— Eu sei! — Azula quase gritou — Você acha que eu não sei? Eu nasci quebrada. Eu não sinto as coisas da mesma forma que vocês. Talvez eu nunca seja uma pessoa boa por isso.

— Você ainda pode controlar as suas ações, Azula. Isso não é desculpa. Você tem autonomia.

Azula o encarou boquiaberta. Zuko começou a se preocupar. Ele nunca havia visto a irmã sem palavras. Talvez ele tivesse causado nela um curto-circuito. Talvez Azula realmente fosse um robô esse tempo inteiro.

— Tem razão — Ela conseguiu falar depois de um tempo, com a voz mais controlada.

Zuko a encarou com cautela.

— Obrigada, Zuzu. Essa conversa foi muito produtiva.

Azula se levantou e retirou um maço de dinheiro do bolso.

— Fica com a gorjeta.

— Você nem pediu nada.

— Eu sei.

A irmã de Zuko se retirou, deixando ele mais confuso do que nunca. Aquela interação não deixaria a do dia seguinte mais fácil, quando ele tivesse que encarar Ozai. Zuko já se sentia afogar. Dependendo do andamento das coisas, aquela seria a última visita.

A Serpente em meu JardimOnde histórias criam vida. Descubra agora