XLIV.

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Quando Azula acordou e se espreguiçou, seu primeiro instinto foi sorrir. Ela nunca havia começado um dia tão pacífica. Ty Lee, que quase sempre chegava para trabalhar antes dela, ainda estava dormindo. No rosto da florista também havia um sorriso estampado. Azula contornou as feições de Ty Lee com o dedo, antes de depositar um beijo em sua bochecha.

Como havia passado a noite fora, Azula precisou pegar as roupas de Ty Lee emprestadas, sabendo que ela não iria se importar. Arranjar uma calcinha limpa não foi problema, mas os sutiãs de Ty Lee eram grandes demais para ela. Azula terminou vestindo um par de shorts pretos de ginástica e um moletom cinza bem grande e confortável. Ela prendeu o cabelo num coque e resolveu sair para uma caminhada matinal.

Azula manteve o bom humor por duas quadras, até esbarrar em um rosto conhecido. Aparentemente, a manhã de Katara também estava arruinada.

A estudante de medicina revirou os olhos ao reconhecê-la e começou a dar meia volta. Azula bufou e estava prestes a fazer o mesmo, mas algo a compeliu a ir até Katara.

— Ei, espera.

Katara surpreendentemente parou, mas se manteve de costas para ela.

— Eu sei que você me odeia e que parou de ir à casa de chá por minha culpa. Eu... — Azula cerrou os punhos, sentindo as palavras morrerem em sua garganta — Eu quero tentar... pedir desculpas.

Ao ouvir essas palavras, Katara girou o torso para encará-la com desconfiança.

— Eu quase arruinei o seu futuro e consegui arruinar o de dezenas de pessoas. Eu sei que sou um monstro sem redenção. Só quero saber se existe alguma forma de te convencer a não deixar de pisar lá. Meu irmão sente a sua falta e... Ugh — Azula grunhiu e desviou o rosto — E querendo ou não, ele é meu irmão. Eu me importo.

Katara se virou completamente na direção dela, ainda sem falar nada. Azula estava começando a perder a paciência. Ela não queria ser humilhada, muito menos em público. Mesmo assim, as palavras de Zuko ainda ecoavam na mente de Azula, sobre ela priorizar o próprio orgulho no lugar dos sentimentos alheios. Ele tinha razão, e Azula odiava quando o irmão tinha razão.

— Você realmente se arrepende? — Katara perguntou, dando um passo na direção dela.

— Eu...

Azula se arrependia? Ela não tinha certeza. Ela sabia que deveria se arrepender. Acontece que era difícil sentir que havia tomado aquelas ações um dia. Azula às vezes achava que tinha nascido apenas alguns meses antes e que haviam implantado memórias falsas em sua mente, como em um filme de ficção científica. Ela nem sempre se sentia humana.

— Eu quero me arrepender — Azula respondeu e se surpreendeu com a própria revelação — Eu quero aprender a me redimir.

— Por que agora?

Katara franziu as sobrancelhas, mas parecia genuinamente disposta a ouvi-la, então Azula tentou encontrar a resposta.

— Porque... porque antes eu não tinha motivo. Eu achava que a minha vida tinha acabado e que era doloroso demais remexer o passado. Era mais fácil enterrar meu coração e esquecer tudo. Agora é diferente porque tem uma pessoa disposta a me amar e eu preciso aprender a ser amada.

Ela suspirou. Algo sobre Katara a fazia querer confessar todos os seus pecados. Talvez por isso Azula sempre a evitou. Por isso e porque Katara era uma das duas pessoas que a viram em seu ponto mais baixo, e Azula tinha vergonha.

Katara também suspirou e a encarou com uma expressão indecifrável.

— É meio egoísta querer mudar para ser amada — Katara respondeu — Mas é bom que você tenha arranjado um motivo.

Azula sabia que nunca seria totalmente boa. Se ela precisasse de motivações egoístas para evoluir, que seja! Tio Iroh mesmo havia dito que o mundo precisava de mais pessoas boas. Talvez um dia ela aprendesse a praticar o bem apenas por praticar, sem esperar nada em troca. Para isso, Azula precisava começar de algum lugar.

— Eu sei que você não me deve o seu perdão. Eu não vou fazer questão dele. Só me diga o que posso fazer para não atrapalhar a sua amizade com o meu irmão.

Katara olhou para os próprios pés enquanto ponderava.

— Eu também fui egoísta, de certa forma. Eu tava fazendo o Zuko escolher entre a própria família e os amigos. Você não precisa se preocupar com isso. Não vou mais colocá-lo nessa situação.

Azula a agradeceu mentalmente, porque ainda não estava acostumada a verbalizar seus agradecimentos.

— Continue tentando mudar, Azula. Isso pode fazer toda a diferença em nossas vidas — Katara a incentivou.

Quando ficou óbvio que nenhuma das duas tinha algo a acrescentar, Katara continuou andando, passando ao lado de Azula antes de virar uma esquina e seguir seu caminho. Azula permaneceu plantada onde estava por vários segundos, digerindo as palavras ditas e as não ditas.

Ainda faltava muito para as flores em seu bonsai brotarem. Era um bom clima para um recomeço.

A Serpente em meu JardimOnde histórias criam vida. Descubra agora