No dia seguinte à discussão, Azula se sentia anestesiada. Seu corpo estava fisicamente e emocionalmente exausto. Era pacífico e relaxante, como se ela tivesse sobrevivido a uma tempestade assustadora, mas o incidente também a deixou dolorida. A garganta arranhava, a cabeça latejava e os músculos doíam quando Azula se mexia. Então, ela ficou deitada em silêncio, refletindo.
Agora que estava sozinha, Azula podia refletir sobre todas as palavras que havia escutado. Ursa disse que a amava. Ela reagiu com gritos e descrença. E se fosse verdade? E se ela tivesse aceitado o abraço da mãe? Azula não se lembrava de como era receber um abraço da mãe. O que ela se lembrava, porém, era de acordar um dia e descobrir que a mãe não iria voltar. A última conversa das duas foi uma repreensão. Em seu íntimo, Azula sempre achou que a mãe foi embora porque não suportava mais lidar com uma filha tão ruim.
O que mais aconteceu depois? Ty Lee tentou acalmá-la. Azula estava envergonhada. Toda vez que ela lembrava do que Ty Lee tinha visto, ela se contraía de vergonha e enfiava o rosto no travesseiro. Ela tinha dado um chilique. Uma birra de criança. Azula queria voltar no tempo e apagar o que aconteceu.
Ty Lee a viu daquele jeito patético, com o cabelo desarrumado, os olhos inchados de tanto chorar e catarro por todo lado. O que foi que ela disse mesmo? "Azula, eu te amo". Ah, claro. Como se fosse possível. Como se tivesse algo amável sobre ela.
O que Ty Lee sabia sobre o amor, de qualquer forma? Azula entendia muito melhor. Amor era dor. Sofrimento. Angústia. O amor dela pelo pai a levou a cometer atrocidades. O amor pela mãe a enlouqueceu. O amor por Ty Lee expôs todas aquelas fraquezas. Ela não queria mais saber de amor.
Azula inspirou fundo e expirou devagar. Algo preencheu o peito dela e se espalhou para suas extremidades com a epifania. Ela amava Ty Lee. Por que ela não foi capaz de responder isso? Por que Azula a afastou mais uma vez? Por que ela afastava todo mundo que demonstrava se importar? Porque ela não se amava.
Mesmo exausta, Azula derramou lágrimas silenciosas que escorreram do seu rosto até o travesseiro. As pessoas não a abandonaram, ela quem escolheu ficar sozinha. Tio Iroh ofereceu ajuda incontáveis vezes. Zuko a perdoou incontáveis vezes. Até mesmo Mai aguentou a crueldade dela por muitos anos antes de atingir o limite. Azula havia sido orgulhosa demais para aceitar qualquer migalha de amor. Talvez porque sua percepção de amor tivesse sido tão distorcida por Ozai a sua vida inteira. Se não se parecesse com medo, devoção e obediência cega, Azula não conseguia reconhecer como amor.
E agora, ela iria perder Ty Lee também.
Azula enxugou o rosto. Ela se levantou da cama e tomou um banho de espuma, que sempre funcionava para relaxá-la. Azula esfregou toda a extensão do próprio corpo para expurgar a experiência ruim. Ela penteou o cabelo com delicadeza. Azula foi gentil consigo mesma. Para aceitar o perdão dos outros, ela treinou se perdoar.
Então, sem perder mais tempo, Azula trocou de roupa e foi até o campus onde Ty Lee estudava. Ao invés de encontrá-la, porém, esbarrou em Mai.
A ex-amiga não pareceu feliz em revê-la, mas Mai dificilmente parecia feliz com qualquer coisa. Ao menos, ela não se afastou quando Azula andou na direção dela.
— Você viu a Ty Lee?
— Ela não veio hoje — Mai respondeu — Eu não sei se ela vai querer ver você.
Azula cerrou os punhos e respirou fundo.
— Mai, já que estamos aqui, eu sinto muito. Por tudo. Por ter sido uma péssima amiga e... péssima pessoa, no geral. Eu acho que sempre tive inveja de você. Nós duas sempre fomos apáticas, mas você era claramente capaz de amar e eu não era. Eu sinto muito que zombei dos seus sentimentos pelo meu irmão.
Mai a encarou sem palavras, apenas com os olhos ligeiramente arregalados em choque. Era bastante expressividade para alguém feito ela.
— Você tem sido uma ótima amiga pra Ty Lee. Você fez a coisa certa em ter alertado ela sobre mim, embora eu também te ache uma vaca por isso — Azula confessou, cruzando os braços — Sei que nunca voltaremos a ser amigas, mas agora entendo o mal que te causei e não te culpo mais por se afastar.
Ela parou de falar e encarou Mai de volta, esperando... alguma coisa. Alguma reação. Qualquer coisa.
— Obrigada, Azula — Mai respondeu com o mesmo tom monótono que sempre tirou Azula do sério.
— Uau, calma aí! Sem tanto sentimentalismo, por favor! — Azula respondeu com sarcasmo.
Mai tentou conter um sorriso e fracassou. Ela havia achado engraçado. Azula deu um sorriso arrogante e colocou as mãos na cintura. Há! Mai a achava engraçada!
— Bom, eu não tenho certeza de onde a Ty Lee está, mas tenho uma desconfiança — Mai continuou — E, se eu fosse você, procuraria por ela antes que ela decida fugir com o circo novamente.
O rosto de Azula caiu com a resposta. Ela nunca havia considerado aquela possibilidade antes, mas seria totalmente típica de Ty Lee.
— Você acha que ela faria isso?
Mai deu de ombros.
— Não sei, mas o circo vai embora amanhã.
Embora Azula já estivesse praticando como pedir perdão para os outros, ela precisaria fazer o melhor pedido de desculpas da vida dela o quanto antes. Perder Ty Lee seria como perder o sol. Ela não podia deixar a florista ir embora antes de revelar seu maior segredo.
"Eu também te amo".

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A Serpente em meu Jardim
Romance[CAPÍTULOS SEGUNDA, QUARTA E SEXTA] Uma energética florista se muda para a cidade grande e se encanta com a fria e atraente tatuadora com tatuagem de serpente que trabalha do outro lado da rua. Cafeterias, casas de chá e flores por todos os lados cr...