XLVII.

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Zuko não era mais o mesmo depois de rever a mãe. Foi muito difícil ter que partir no dia seguinte. Ele queria voltar a ser criança para se aninhar no colo da mãe enquanto ela afagava o cabelo dele e contava histórias. Ele queria ter ido embora com ela dez anos antes. Ele queria moldar o universo para que seu pai fosse uma pessoa boa e para que sua irmã não fosse cruel. Zuko queria ter uma família.

— Zuzu, tem algo de errado com você — Azula comentou.

Ele queria retrucar que havia algo de irremediavelmente errado com ela, mas se segurou. Teria sido cruel. Azula nem estava implicando com o irmão. Ela parecia genuinamente preocupada.

— Você parece ao mesmo tempo mais feliz e mais triste — Azula continuou.

— Você também — Zuko respondeu.

— Oi?

— Desde que você começou a namorar você ficou mais feliz e mais triste.

Ela fechou a cara e cruzou os braços.

— De onde você tirou isso?

— Eu te conheço. Você descobriu que tem um coração e começou a se sentir culpada por tudo que fez. Estou errado?

— Por que você é assim? Por que não consegue ter uma conversa comigo sem esfregar meu passado na minha cara?

Por mais que Zuko quisesse, ele não conseguia esquecer totalmente. Era mais devastador, porque no meio de incontáveis memórias ruins, ele ainda conseguia se lembrar de uma ou outra vez que havia se dado bem com Azula.

— Talvez porque você não se arrependa dele o suficiente.

— Quem disse?

As palavras dele pareciam ferir Azula. Ótimo. Agora que todos os outros começavam a tolerá-la, ele se permitia sentir o rancor que havia guardado. Zuko queria perdoar a irmã e ele não odiava o fato dela estar fazendo um esforço. A reconciliação estava ao alcance de seus dedos. Mesmo assim, alguém precisava forçar um espelho diante dela, ou Azula esqueceria de se redimir, e ela não merecia um final feliz sem se esforçar por ele.

— Você acha que algumas palavras vão bastar?

— Eu estou tentando! — Ela elevou a voz — O que mais você quer que eu faça?

— Eu não sei, Azula! Foi você quem começou a cavar meus sentimentos.

Ele se afastou dela para esfriar a cabeça. Zuko não parava de pensar na mãe. Ele sabia que Azula perderia a cabeça se descobrisse sobre Kiyi. Para protegê-la, ou talvez para proteger a mãe, Zuko não queria compartilhar com ela a notícia da visita. Azula havia se deixado manipular demais por Ozai e acreditava firmemente que a mãe a odiava.

— Eu sinto muito por tentar me importar! — Azula quase gritou atrás dele — Você acha que me tratar feito lixo para me punir por ter te tratado feito lixo te torna alguém melhor do que eu?

Zuko parou de se afastar quando ouviu as palavras dela. O coração dele apertou de angústia. Tio Iroh ficaria decepcionado.

— Você me critica por ter ficado do lado do papai, mas eu nunca tive mais ninguém — Ela parecia prestes a chorar — A minha mãe me abandonou. Ela te abandonou, e mesmo assim você virou as costas para o nosso pai!

— Fui eu quem visitou ele na cadeia todos esses anos! — Zuko berrou de volta.

Azula arregalou os olhos. Parecia que a ideia nunca havia cruzado a mente dela. Zuko não entendia como o mundo funcionava na mente de Azula e não queria descobrir.

— Você visita ele? — Ela perguntou com a voz suave.

Zuko se arrependeu do comentário. Ele não queria que Azula se inspirasse. Ozai certamente aproveitaria a primeira oportunidade para manipulá-la de novo.

Mesmo assim, ele havia feito uma promessa. Era uma promessa que Zuko remoía todas as noites, mas ele precisava honrá-la. Ozai cumpriu com a parte dele.

— Eu prometi a ele que pediria para você visitá-lo se ele me desse o endereço da mamãe.

Os olhos de Azula ficaram vermelhos. Ela cerrou as sobrancelhas novamente.

— Você foi ver ela?

— Fui.

Zuko não queria dizer a verdade, mas ele era incapaz de mentir. Não parecia justo esconder de Azula. Ele só queria que ela fosse capaz de compreender as coisas sem aquela visão de mundo distorcida.

Azula se levantou e começou a ir embora.

— Azula.

Ele começou a se arrepender da discussão. Apesar de todo seu rancor, Zuko não queria ter sido tão duro. Foi graças ao esforço de Azula que Katara e Aang voltaram a se sentir confortáveis na casa de chá. Suki também o informou sobre a boa ação de Azula nas aulas de defesa pessoal. Ele sabia que ela estava mudando. Zuko queria dizer que estava orgulhoso, que amava a irmã e que a perdoava por tudo. Porém, quando ele abria a boca, só as verdades dolorosas conseguiam sair.

— Eu vou ver o papai — Ela respondeu sem virar na direção dele — Eu cansei de lidar com você.

— Azula, por favor.

Já era tarde demais. Azula bateu a porta com força e Zuko escolheu respeitar a distância. Com ela, era melhor esperar os nervos se acalmarem.

Zuko sentiu vontade de chorar. Quando ele reencontrou a mãe, ela perguntou por Azula com preocupação. Se a irmã ao menos soubesse o quanto a mãe a amava...

Azula se recusaria a acreditar. Ela precisava manter a narrativa de que Ozai era o único a lhe dar valor. Senão, todas as suas atrocidades teriam sido para nada. Ela não suportaria aceitar que suas ações foram baseadas em uma mentira. Talvez a visita ao pai na cadeia a estraçalhasse. Zuko sentia culpa por colocá-la naquela situação. Ou a irmã voltaria a ser iludida por Ozai, ou o choque de realidade seria capaz de quebrar seu espírito. Apenas o tempo diria.

A Serpente em meu JardimOnde histórias criam vida. Descubra agora