O cansaço bateu, resolvi tirar um cochilo, rebati o banco e desliguei, a noite passada havia sido mal dormida.
Acordei assustada com batidas insistentes no vidro do carro, era a Vitória, olhei para meu relógio de pulso e conclui que certamente a prova teria acabado. Pulei no banco e me recompus, ela sorriu, provavelmente achando graça da minha situação desconcertante, afinal eu estava dormindo de boca aberta. Destravei o carro, ela entrou e logo perguntei preocupada:- Como foi? Se saiu bem na prova?
- Calminha chefa... Ainda não faço idéia, mas anotei minhas respostas, olha. - Vitória me mostrou um papel completamente amassado com rabiscos.
- Ok, perfeito. Vamos aguardar então... Você quer que eu guarde isso pra você? - perguntei sobre aquele pedaço de papel deplorável, ela poderia perder em qualquer esquina.
- Pode deixar, apesar de não parecer, não costumo perder minhas coisas. - Vitória jogou um olhar desafiador. Eu respirei fundo e sorri.
- Certo... Vamos?! - coloquei as mãos no volante.
- Estou curiosa... - Vitória jogou intrigada.
- Sobre o que?
- Para onde vai me levar?
- Você é competitiva, não é? - indaguei.
- Um pouco... Mas talvez não tanto quanto você espera. - Vitória franziu a testa e sorriu com os olhos, "ahhh esse sorriso que me deixava nervosa...", senti minha espinha arrepiar.
- Como sabe o que eu espero? - franzi a testa e nos olhamos intensamente, respirei fundo, tentei me recompor, não entregar o jogo, desviei o olhar e continuei: - Bom, vamos, vamos comemorar seu vestibular.
- Você nem sabe se fui bem...
- Se tem algo que aprendi com a vida é que devemos comemorar passos e hoje você deu o primeiro passo. Então vamos sim comemorar sem pensar no resultado.
- Suzana... - ela balançou a cabeça sorrindo e continuou: - Você é esperta. Ok, isso vai ser interessante... Vamos logo! - Vitória me fitou de cima a baixo e sorriu. Ela parecia instilar segundas intenções comigo, mas eu não queria nem pensar nessa hipótese, era algo impossível.
Dei partida no carro e durante o trajeto não trocamos palavras, ela pegou o bendito celular e ficou falando com ele, talvez fazendo os tais "stories" enfim, cheguei a conclusão de que ela interagia mais com aquele objeto do que com pessoas reais.
Um pouco depois, entrou uma ligação no celular dela, eu olhei curiosa pelo canto dos olhos e no indentificador estava escrito "Gustavo". Ela hesitou em atender, eu senti seu semblante mudar, queria perguntar se estava tudo bem, mas antes que eu o fizesse, ela respirou fundo e atendeu a ligação.
- O que você quer agora... - Vitória esbravejou ao celular. Ela estava nervosa se apropriava de um tom arrogante. Estava brigando com quem quer que fosse do outro lado da linha, era uma discussão calorosa, me senti desconfortável, mas ela não parecia ligar para isso. Seu rosto estava ruborizado quando deu um último grito e desligou o telefone abruptamente sem nem se despedir. Depois disso ela virou o rosto para a janela, bufou algumas vezes e mesmo sem entender o motivo daquela discussão, senti empatia por ela, queria acalenta-la de alguma forma.
- Está tudo bem? - perguntei enquanto dirigia. Ela não respondeu, mas acho que vi de relance uma lágrima descer pelo seu rosto. Respirei fundo e insisti: - Posso te ajudar com algo? - mesmo dirigindo coloquei a mão livre sob seu ombro. Ela encolheu o ombro para tirar minha mão e secou suas lágrimas. Eu entendi que ela preferia permanecer em silêncio e assim a respeitei.
Seguimos alguns minutos em silêncio, quando parei em um sinal, do outro lado da rua a mesma velha casa estava lá, e o mais incrível era que aquela senhora que passava horas tricotando na varanda ainda o fazia. Eu e Helena costumávamos passar por ali quando voltávamos da faculdade e admiravamos aquela senhora tão serena compenetrada em seu tricô. Ela estava bem velhinha agora, provável beirava uns noventa anos, mas ela estava ali, no mesmo lugar. Suspirei e sorri rememorando às conversas que tinha com Helena, "como sentia falta dela...", suspirei. Aquela senhora e sua casa tinham um simbolismo para mim. O semáforo abriu e não me dei conta, estava perdida em meus pensamentos. Nem com os carros buzinando insistentemente pude voltar a mim, foi quando de repente senti o toque dela, ouvi a sua voz, "era a Helena?", pensei. Era exatamente a voz dela, tudo muito familiar. Mas na verdade era a Vitória empurrava meu braço tentando me alertar para que eu pudesse dar partida no carro, até que falou alto:
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Nova chance para o Amor
FanfictionSuzana (Suranne Jones) amou sem limites sua melhor amiga a Helena. Na época era um amor proibido, Helena teve medo de assumir o romance e deixou Suzana para casar e ter filhos. Suzana seguiu a vida, formou em medicina e reencontrou com Helena alguns...