"Gay Panic"

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Sai do meu quarto e andei pelos corredores da mansão na ponta dos pés, não queria fazer barulho, muito menos acordar alguém. Depois de algumas voltas, cheguei finalmente na cozinha. Respirei aliviada e sei que indelicadamente abri a geladeira, pretendia pelo menos beber um copo de leite. Peguei um copo de vidro e enchi com leite até quase o topo, aproveitei e peguei uma bolacha que estava dando sopa na bancada. Subi novamente a escada munida do meu leite e bolacha quando escuto passos, me escondi assustada, era a Vitória, estava bêbada, batia nas paredes e cantarolava alto. A segui em segredo e lamentei por ve-la naquele estado, principalmente por imaginar o risco que havia corrido assumido o volante nesse estado. Observei o quarto que ela entrou, era próximo do meu e logo que ela fechou a porta, apressei os passos até o meu quarto. Assim que fechei a porta tratei de tomar o leite e comer a bolacha, estava pensativa. Cheguei a uma conclusão, tomei uma decisão e sabia exatamente o que eu faria...
Passei a noite em claro bolando meu plano, assim que o dia raiou, tomei um banho para despertar, coloquei uma roupa confortável e fui até o quarto da Vitória. A porta não estava trancada, adentrei em silêncio, com cuidado, o quarto estava completamente escuro, os blackouts das cortinas tratavam de impedir a claridade entrar e deixar assim apenas uma penumbra. Vitória estava apagada jogada na cama, mas mesmo assim linda, pensei admirando-na. Sentei em uma poltrona próxima a cama e fiquei em absoluto silêncio aguardando ela esboçar acordar, ao mesmo tempo que estava de olho na hora. Enquanto aguardava, mexia no celular, navegava pelas redes sociais e lia algumas notícias também. Quando deu sete e meia, e notei que a Vitória nem se mexia resolvi agir. Abri as cortinas do quarto deixando a luz entrar e incomodar ela. Foi certeiro, assim que a luz invadiu seu rosto, ela colocou a mão na frente para proteger seus olhos da luz.

- Que bom que acordou. - eu falei em um bom tom para que ela despertasse.

- O que está acontecendo??? Alguém morreu...? O que pensa que está fazendo! Há quanto tempo está aqui??? - Vitória me encheu de perguntas irritada por ter interrompido seu sono.

-  São muitas perguntas para quem está acordando... Mas ninguém morreu, pelo menos por enquanto e estou aqui o tempo suficiente.

- O que você quer? - Vitória sentou na cama mal conseguindo abrir seus olhos expressivos e esverdeados.

- Que você levante, tome um banho, se arrume e me encontre lá em baixo.

- Foi minha tia que mandou você vir aqui não é?! Ela vive implicando comigo! Posso voltar a dormir??? - a jovem resmungou puxando as cobertas.

- Não. - puxei as cobertas de volta e sentei a ponta da cama.

- O que está fazendo... - ainda resmungando.

- Algo por você, algo em memória da sua mãe que se estivesse entre a gente, estaria muito decepcionada com você.

- Uau! Pegou pesado, heim?! Se eu não estivesse com essa enxaqueca, eu dava uma resposta a altura... - ela falou pressionando a mão contra as têmporas.

- Vitória, faça o que eu pedi, lá embaixo te dou um ...

- Quem você acha que é para usar esse tom comigo?! - ela ficou séria.

- Sua amiga. - respondi olhando dentro dos seus olhos, ela me encarou e imediatamente desviou o olhar constrangida.

- E o que te faz pensar que vou te obedecer? - Vitoria cruzou os braços indignada.

- Não sei... Podemos fazer um acordo? - franzi a testa.

- Acordo? Quantos anos acha que eu tenho...? - Vitória riu com deboche.

- O suficiente para entender que estou aqui pelo seu bem... - falei sinceramente olhando mais uma vez fixamente em seus olhos.

- Estou escutando Suzana...

- Você faz o que eu te peço e fico te devendo uma. - respondi.

- Simples assim? O que posso querer de você?

- Hã.... É... - respondi constrangida.

- Brincadeira! É sempre bom ter dívidas a cobrar. Você conseguiu, pode me esperar lá embaixo que já desço. - Vitória tinha um sorriso vivo, ela sorria com os olhos, me deixava nervosa. Senti um leve arrependimento pela proposta que fiz, mas era tarde. Saí do quarto me certificando de que ela não voltaria a dormir e desci para aguarda-la. Ela não demorou para chegar, estava de banho tomado, perfumada e lindíssima. Ela me fitava de uma forma diferente, eu sentia seu olhar sedento passar por todo meu corpo. Era um olhar com uma conotação diferente, eu conhecia aquele olhar...
Todos ainda dormiam, não notaram que saímos juntas da casa.
Vitória me seguiu até o carro e assim que entramos, eu assumi o volante,  ela imediatamente me perguntou:

- Onde vamos patroa? - Vitória bateu a mão sob o batente da janela do carro.
- Para o seu vestibular...

- Ah não... Desculpa, isso não! - Vitória fez menção de sair do carro, eu segurei em seu ombro para tentar impedir.

- Por favor...- olhei em seus olhos.

- Mas é que não estudei nada... Não vai fazer nenhuma diferença!

- Sua tia disse que você é muito inteligente, além do mais, seria bom para você pegar algumas dicas, "manhas" e quem sabe se preparar para o próximo.

- Quem te pediu isso? Fala para mim?

- Ninguém... Eu estou fazendo isso pela sua mãe, em memória dela.

- Vocês sempre foram muito amigas não é?

- O suficiente para eu saber que ela iria querer que você fizesse o vestibular.

- Ok... Eu vou, mas não prometo nada! - Vitoria sorriu e colocou o cinto de segurança, eu sorri de volta feliz como quem havia conquistado um grande prêmio. Ela me passou o endereço da prova e eu acelerei para que pudéssemos chegar a tempo.
Era próximo e permanecemos em silêncio, Vitória mexia bastante no celular, não desgrudava. Eu tentei ver algo pelo canto dos olhos, mas não tive sucesso, tinha que prestar atenção ao trânsito.

Ao chegarmos no local da prova, Vitória olhou para mim e falou:

- Não tenho nada aqui...

- Toma, lápis, caneta, agua, tudo que vai precisar. - ja tinha me preparado.

- Você sempre tem as coisas sob controle?

- Boa sorte na prova. - não respondi apenas sorri.

- Vai me esperar? - ela pediu com os olhos.

- Sim, e quando voltar vou te levar para fazer algo diferente, hoje o dia é nosso! - "o dia é nosso"? De onde tirei isso? Tive um ligeiro "gay panic" Me senti constrangida, com certeza meu rosto corou e desviei o olhar tímida.

- Certo... Posso me acostumar com isso. - Vitória correspondeu e ainda soltou mais um sorriso, um daqueles que me lembravam a Helena e me tiravam o ar,  logo em seguida saiu do carro. Eu fiquei ali ao volante, parada no estacionamento do campus aguardando por ela. Não seria difícil, eu estaria distraída ligando para minha mãe, estudando os casos dos meus pacientes, enfim, meu celular seria meu aliado naquelas horas infindáveis.

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