Má Formação

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A cirugia acabou, eu estava esgotada, mas graças à Deus havia sido muito bem sucedida. A paciente ja estava no quarto, fui arrumar minhas coisas para encontrar com a Vitória, ja estava atrasada, nervosa também. No caminho para o carro liguei para a Malu pois queria saber dela e avisar que iria me atrasar. Assim que assumi o volante do carro, ja recebi uma mensagem da Vitória:

"Você está a caminho?"

"Chego em dez minutos" respondi, a clínica ficava próximo dali de carro.

" Ok, vou te aguardar, não demora, por favor..." ela pediu, eu dei minha palavra e pisei fundo no acelerador. Corri tanto que nem tive muito tempo para pensar no desenvolver daquilo tudo, a última vez que eu e Vitória nos vimos há seis anos atrás, havíamos brigado, Vitória me expulsou do seu quarto. Eu sabia que tinhamos deixado aquele assunto inacabado e que restaram mágoas. Agora ela estava formada,  grávida e provavelmente casada. Tantas coisas mudaram, "sera que ela me perdoou?" pensei. De uma coisa eu sabia, ainda tinhamos sentimentos eles eram aflorados só por nos olharmos nos olhos, era aquela bendita conexão, a mesma que tinha com a Helena e que me deixava tão confusa em relação a Vitória. Respirei algumas vezes para me neuro-regular, precisava manter a sobriedade e concentração mesmo diante de toda aquela "aceleração". Cheguei na clínica, deixei o carro com o manobrista e saí do carro tropeçando, desconjugada, ajeitando bolsa, alinhando os cabelos e minha roupa. Assim que entrei ja a avistei, ela estava apreensiva sentada na recepção. Me aproximei dela me desculpando:

- Desculpa pelo atraso, a cirugia demorou mais do que...

- Tudo bem. - ela deu uma rápida passagem em mim com os olhos, sorriu, pegou de leve na minha mão e continuou: - Vamos entrar?

- Claro, deixa eu segurar isso para você ... - soltei a mão dela e peguei sua bolsa, os exames, enquanto ela mesma levantava e se ajeitava. Notei que ela estava mesmo apreensiva, então falei: - Está tudo bem?

- Não sei... Estou mais nervosa do que imaginava com esse exame.

- Não fique, vai dar tudo certo... - olhei em seus olhos e tentei passar confiança, ela retribuiu com um sorriso nervoso, em seguida entramos juntas na sala do exame.

- Boa tarde senhora Vitória. - a médica nos recebeu.

- Boa tarde! - Vitória respondeu um tanto exaltada.

- Trouxe a última ultra? Pode deitar na maca... - a Médica apontou a maca para que Vitória deitasse.

- Aqui está... - Vitória entregou os últimos exames para a médica. Eu me ajeitei no canto da sala procurando não atrapalhar.

- Você, pode se sentar aqui? - a médica me indicou um banco do lado da maca da Vitória, era para acompanhantes, eu recusei, preferia me manter preservada.

- Prefiro ficar aqui mesmo. - eu queria respeitar o espaço dela.

- Su, senta aqui, por favor... - Vitória implorou com os olhos, eu a obedeci, sentei então no local que seria o atribuído ao parceiro(a) da gestante, assim que o fiz, coloquei a mão sob sua perna próxima ao seu joelho, pois sabia que ali não iria atrapalhar.

- Muito bem, vamos começar... - a médica abaixou a roupa da Vitória e passou gel na barriga pontuda e linda dela. Ali eu pude ver que era real, Vitória iria trazer uma vida ao mundo e senti um misto de emoções. Aquilo era muita informação para processar, pois hoje quando eu acordei, jamais imaginaria que ao final do dia estaria junto da Vitória acompanhando-na em um exame de pre natal. Respirei fundo e assim que a médica começou a passar o ultrassom na barriga da Vitória,  senti meu corpo gelar. Havia uma má formação, eu mesma li a informação pela tela e logo percebi que tinha uma válvula que poderia ser um problema. Minha expressão mudou, involuntariamente tirei a mão do joelho da Vitória sem saber muito que falar. Ela notou minha expressão e ficou mais nervosa. A médica que fazia o exame  repetiu a imagem mais de uma vez para confirmar, a cara dela não estava boa também.

- O que está acontecendo? Porque a sra está em silêncio??? - Vitória perguntou nervosa, tornei a toca-la na perna e tentei acalma-la com um leve acariciar.

- Bom, eu preciso analisar isso com calma... Por acaso nas outras ultras apareceu alguma alteração no bebê?

- Sempre mencionaram sobre a frequência cardíaca dela, mas nada anormal... - a voz da Vitória estava trêmula, seus olhos arregalados, ela tentava erguer o pescoço para enxergar a tela do ultrassom, eu segurei em sua mão e tentei passar um pouco de confiança, sabia que ela iria precisar.

- Vou analisar aqui com calma, mas acredito que ela tenha uma má formação cardíaca...

- É grave??? - Vitória olhou para mim, ela queria ouvir da minha boca, a ultrassonografista não compreendeu. Eu fiquei um pouco constrangida, mas tentei responder da melhor maneira possível.

- Você precisa ficar tranquila... O bebê pode sentir se ficar nervosa. - comentei tentando tranquiliza-la.

- Su, me fala, é grave???

- Não estou entendendo? - a médica se posicionou pois estava sendo ignorada pela Vitória.

- Eu sou amiga e cardiologista... Dra Suzana. - me apresentei.

- Ok, é bom ter uma colega aqui... Olha aqui essas imagens e o fluxo do sangue, eu sugiro que seja uma ma formação. - a médica apontou as imagens para mim.

- Também vi, mas acredito que ainda tem tempo para batermos o martelo, quer dizer, ela está com vinte e seis semanas. Não pode mudar algo? Não sei, uma anastomose talvez... - sugeri tentando pensar na reversão.

- Pela minha experiência, não. Acho importante acompanhar isso de perto...

- Claro, sem dúvidas, eu irei faze-lo. - falei com a médica, Vitória nos olhava amedontrada. Eu virei para ela e falei:
- Tem uma pequena má formação no coração do seu bebê, uma válvula importante ainda não se formou e também tem uma divisão errada em uma das câmaras. Tem chances disso se corrigir, digo, pelo menos a válvula. Quanto a divisão anormal, acredito que seja cirúrgico e assim que ele nascer podemos intervir...

- É muita informação para minha cabeça...- Vitória sentou na maca nervosa.

- Eu sei... Olha, por mais difícil que seja essa "bomba", lembre de duas coisas, uma que você é forte e seu bebê precisa de você mais do que nunca. E outra que você tem a mim e que vou te acompanhar nisso. - olhei confiante nos olhos dela e ela desabou em um choro copioso. A médica pediu licença e saiu da sala para nos dar privacidade e também para poder laudar o exame. Eu abracei a Vitória, um pouco sem jeito, pois praticamente subi na maca para faze-lo. Ela estava inconsolável...

- Ei... Olha pra mim, vai dar tudo certo...

- Não sei se consigo lidar com isso Su... - ela desviou o olhar para baixo desanimada.

- Claro que consegue, você é forte como um touro e leoa como uma mãe. Vai dar conta! - nos olhamos e consegui ver um sorriso tímido em meio as suas lágrimas.

- Nem acredito que esteja aqui... - ela sorriu me olhando nos olhos, senti que nossos olhos se encontram de forma intensa. Ela ficou constrangida,  desviou o olhar para o lado e falou: - Preciso ligar para o Rodolfo. - ela levantou da maca, ajeitou a roupa, se recompôs e pegou o celular para ligar. Eu me afastei e fui esperar ela na recepção para dar espaço.

Ela estava realmente casada, quer dizer, por um momento eu idealizei na minha cabeça que ela poderia estar sozinha e que o bebê havia sido um "acidente" assim como foi a Malu... Respirei fundo e olhei a hora no celular, estava muito cansada. Fiquei algum tempo sozinha na recepção, até que a médica apareceu com o exame laudado. Ela se dirigiu a mim e falou:

- Onde está a sua amiga?

- Foi ligar para o pai do bebê...

- Bom, eu já laudei o exame, acredito que se acompanhar de perto a bebê fica bem... Mas vai precisar operar, você viu aquela divisão, vai comprometer o fluxo.

- Sim, eu vou começar a me instrumentalizar para intervir, Obrigada! - apertei a mão da médica.

- Se precisar de algo, pode me chamar, estou inclusive acostumada a ver algumas situações parecidas.

- Muito obrigada... - A médica sorriu passando confiança e virou-se para ir embora, eu a chamei: - Dra.?!

- Pois não.

- É uma menina?

- É sim. - ela respondeu e se despediu mais uma vez. Sorri imediatamente, fiquei parada pensativa, demorou alguns poucos minutos e Vitória apareceu.

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