Receita Centenária

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O dia amanheceu, eu estava muito disposta. Tomei café com a Malu e logo depois fomos para o escritório. Me reuni com as meninas, conversamos algumas coisas a respeito das doações que faríamos, já seria no dia seguinte, estava tudo organizado.
Eu tinha o costume de preparar biscoitos amanteigados, eles eram uma receita da minha avó e Helena os adorava. Em homenagem a ela, conversei com as meninas que iria oferece-los no abrigo. Deixei Malu com a Eloise, ela ficou distraída assistindo desenho na TV, e fui ao supermercado comprar os ingredientes para preparar os biscoitos. Comprei também algumas embalagens nas quais eu embrulharia separadamente para distribuir os biscoitos as pessoas. Eu estava muito animada. Cheguei na cozinha cheia de sacolas cantarolando. Não sei bem se foi pela noite dormida, eu já não dormia bem a noite haviam alguns dias. Enfim, comecei a organizar a cozinha e ja iria enviar mensagem para a Vitória quando a própria apareceu na porta da cozinha sorridente.

- Que bom que minha auxiliar chegou! Veja, comprei tudo que vamos precisar... Só tem uma coisa antes.

- Alguém está muito animada! - Vitória falou de braços cruzados, sorrindo e encostada no batente da porta.

- Você não faz idéia do quanto, venha aqui. - acenei com a mão para que ela se aproximasse da bancada. Ela descrusou os braços e se aproximou.

- Essa é uma receita super secreta, minha avó passou para mim, minha mãe não quis aprender, e vou passar para Malu, espero que ela queira aprender...

- Isso significa que devo me retirar?

- Sua mãe adorava esses biscoitos, e se tem algo que eu me arrependo, é de não ter passado para ela a receita.
Como nós duas já sabemos... O tempo é imprevisível, ora curto para uns e ora longo para outros... - franzi a testa lamentando, mas nao queria um clima pesado ali, então mudei a expressão e continuei a falar: - Mas o importante é que devemos fazer as coisas enquanto temos a chance!

- E esse discurso todo é para dizer que vai me ensinar uma receita centenária? - Vitória falou com algum deboche, mas ainda sorridente.

- Mais que isso, vou te dar uma herança... Venha aqui. - pedi que ela se aproximasse mais ainda, e comecei a apontar: - Os ingredientes são simples, farinha, ovo, açúcar, essência de baunilha, mas o segredo está aqui... - levantei um saco de sal.

- Sal???

- Sim, ele que vai dar o sabor final, precisa ser colocado milimetricamente, na equação perfeita. Não a mais e nem a menos, no momento certo...- olhei para ela, sorri e falei: - Vitória coloca um avental, vamos nos sujar. - ela sorriu mais uma vez para mim o que fez meu corpo arrepiar. Disfarcei e desviei o olhar, eu ficava doida com o cheiro do seu perfume que inundou a cozinha por completo. Seus cabelos longos levemente umidecidos emanavam cheiro de banho recem tomado. Era tentador estar perto da Vitória, principalmente que agora eu conhecia seu gosto, seu corpo... eu sei precisava resistir. Alem de tudo, ela ainda era muito divertida, tinhamos muita química e brincamos bastante enquanto preparavamos os biscoitos. Ela se sujou completamente abrindo o saco da farinha. Caímos na garagalhada, ela estava totalmente suja com ovos, farinha... Um desastre na cozinha.

- Estou pensando se você fez a escolha do parente certo para passar essa receita... Quer dizer, o Júnior manda muito melhor que eu na cozinha. - Vitória falou sem graça enquanto colocavamos os biscoitos no forno.

- Tinha que ser você... - sorri e me aproximei dela, tirei o cabelo sujo de ovo da frente do seu rosto. Ela logo inclinou o corpo em minha direção, parecia pedir passagem para um beijo, eu fiquei tentada a ceder mas fomos interrompidas pela Laura.

- Suzana, estamos precisando de você no escritório. - Laura falou séria de braços cruzados escorada no batente da porta, eu revirei os olhos indignada pela interrupção. Vitória no entanto, ficou confusa sem entender o tom da Laura e meu comportamento. Respirei fundo e respondi:

- Vou daqui a pouco, estou com os biscoitos no forno.

- O que ela está fazendo aqui? Achei que essa fosse sua receita "ultra secreta..." - Laura movimentou os dedos em colchetes inconformada.

- Precisava de ajuda, afinal tive que dobrar a receita para fazer uma quantidade que fosse suficiente para todo mundo do abrigo.

- Ok, não demore, estamos tomando as decisões finais no escritório.

- Certo, anotado, não demorar... - usei um tiquinho de deboche e suspirei aliviada assim que Laura saiu, ela andava com uma áurea muito pesada desde que tivemos a última conversa.

- Qual é o problema com ela? - Vitória indagou, certamente notara o clima.

- Nada com que você deva se preocupar...

- Eu não estou, só achei ela um tanto incomodada.

- Talvez seja isso. - sorri e tentei quebrar o clima tenso: - Afinal eu disse para você que essa era uma receita secreta. - brinquei com uma piscada de olho.

- Ok, ok... Espero que eu possa reproduzir a altura. - Vitória sorriu, o telefone dela tocou. Ela olhou no identificador e saiu da cozinha para atender, parecia não querer que eu escutasse. Claro que fiquei curiosa, mas a realidade era que eu não poderia sequer perguntar quem era. Eu fiquei vigiando o forno e enquanto isso limpava a bagunça que deixamos na bancada. Lavei alguma louça e levou mais de vinte minutos para que Vitória retornasse. Eu ja até estava convencida de que ela não voltaria mais. Assim que entrou, notei que ela estava com um semblante confuso e um pouco preocupado.

- Tudo bem?

- Sim sim, o fato de eu me expor nas redes sociais, ter milhares de seguidores acaba as vezes me trazendo alguns problemas. - ela falou em desabafo com a mão na cabeça, parecia estar saturada com alguma coisa pessoal.

- Eu posso ajudar? - indaguei preocupada.

- Para falar a verdade... Até que pode. - ela mudou o semblante e sorriu daquela maneira maquiavélica.

- Como? - indaguei agora um pouco nervosa.

- Lembra que está me devendo uma?

- Bom... Tecnicamente eu poderia ter "pago" te passando essa receita... - tentei me esquivar.

- Suzana, não vale me enrolar...

- Ok... - concordei, ela tinha razão.
- Hoje a noite tem uma festa e eu quero que vá comigo.

- Uma festa?! Você está falando sério???

- Parece uma piada para você?

- Não! É que isso... Foge tanto do meu padrão... - respondi preocupada.

- Não sabia que seguia um "padrão".
- Eu vou ficar deslocada... Quer dizer, vão ter apenas jovens e eu... - tentei fazer ela cair em si de que eu não era mais tão jovem.

- Mas eu não estou pedindo nada "loba".- ela falou se referindo a minha faixa etária e continuou: - Na verdade faz parte de uma divida, uma promessa que você mesma fez.

- Ok... Que tipo de festa? Preciso me vestir a caráter?

- Oi?! - ela indagou confusa.

- Você entendeu...

- Apenas vista-se. - ela sorriu, se aproximou de mim e me roubou um selinho. Dei um pulo para trás assustada. Ela sorriu com a minha reação e foi embora sem falar mais nada. Vitória me tirava o ar e eu via tanto da Helena nela... Essa confusão estava me matando. Respirei fundo e comecei a ensacar os biscoitos que já haviam esfriado.

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