Ecocardiograma

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Saí do quarto bem rápido, na verdade encurtei a anamnese com a paciente na esperança de tentar encontrar e falar com a Vitória. Assim que saí do quarto, já ouvi a sua voz... Ela estava escorada na parede, próxima ao batente da porta que dava para o quarto da paciente, parecia me aguardar sair do quarto.

- Eu precisava ver mais uma vez para acreditar... - ela falou com os braços cruzados, incrédula e com brilho nos olhos. Soltou um sorriso tímido eu retribuí ao sorriso também tímida.

- Fiquei muito contente por te ver aqui... - sorri e continuei a falar embargada por um tom orgulhoso: - Ainda por cima formada...

- E quase cometendo minha primeira imprudência médica.

- Você realmente precisa se certificar se o paciente está em dieta zero, fica logo aqui pendurado na porta do quarto, olha... - apontei para a placa pendurada na porta que estava escrito em letrar garrafais, "Dieta Zero".

- Desculpa por isso... Minha cabeça anda uma bagunça. - ela sorriu sem graça e repousou a mão sob a barriga, notei que a mesma estava pretuberante e imediatamente meu coração gelou, ela estava grávida.

- Uau, minha nossa! Eu, eu... Uau...

- O jaleco esconde muita coisa. - ela comentou sem graça, suas bochechas ruborizaram.

- Estou surpresa... - sorri curiosa.

- Você vai operar a paciente agora? - ela indagou.

- Daqui há uma hora, cirurgia grande, delicada...

- Eu posso participar?

- Receio que não, bom, a menos que sua supervisora libere, eles são bem exigentes com os residentes... - comentei.

- Vou verificar com ela, me dê alguns minutos. - Vitória sacou o celular para pedir autorização para me acompanhar na cirurgia, mas isso não seria bom para mim, perderia minha concentração, então tratei de me posicionar:

- Quer saber, é melhor não.

- O que?

- Eu prefiro que não participe do procedimento, será uma cirurgia longa, muito minunciosa delicada... Receio que não será bom para você ficar tanto tempo de pé no estado que se encontra...

- Hum... Ok, eu estou muito bem, mas vou respeitar seu pedido... - ela deu uma breve pausa e perguntou: - Será que não podemos ao menos conversar? Fazem tantos anos... As coisas não terminaram bem.

- Não mesmo... - olhei para baixo rememorando, respirei fundo, precisava saber mais da Vitória, então continuei: - O que vai fazer hoje? Como está seu horário?

- O dia de uma residente é imprevisível, mas no final da tarde irei fazer um ecocardiograma do bebê...

- Então ja deve estar com umas vinte e poucas semanas... - chutei em voz alta a idade gestacional baseada na minha experiência.

- Vinte e seis semanas. - ela respondeu sem graça acariaciando a barriga.

- Ok, podemos deixar a conversa para outro dia. O exame que vai fazer é muito importante, vai detectar como está funcionando o coração e....

- Quer ir comigo?

- Eu?! No exame? - indaguei confusa.

- Isso seria muito conveniente para mim e para o bebê já que é uma cardiologista renomada. Além do mais depois do exame podemos tomar um café... Conheço um lugar perto da clínica que servem uma torta de maçã incrível!

- Não sei... E seu marido? Não vai querer participar?

- Ele não... - ela desviou o olhar e parecia não se sentir confortável, ganhou fôlego emocional e continuou: - Bom, estarei sozinha nesse exame. Quer dizer, tia Elô até comentou de ir, mas ela sempre se enrola, sabe como ela é.

- Sei... - dei uma pausa um pouco longa, estávamos constrangidas, nos olhavamos com timidez mas ainda havia conexão, uma chama única... Respondi impulsivamente: - Ok, eu vou! Me passa o horário e o local que te encontro lá. - acabei cedendo ao convite, não poderia deixar passar a oportunidade de ter uma boa conversa com a Vitória.

- Combinado, seu celular... É o mesmo? - Vitória perguntou.

- Sim... - respondi.

- Eu troquei de número, vou te dar um "alô" com esse número novo para podermos nos comunicar... - ela digitou rapidamente no celular e logo recebi a notificação.

- Chegou... - dei uma pausa e continuei: - Salvei seu número novo. - isso explicava o fato dela nunca mais ter retornado minhas mensagens, pensei.

- Que bom, então fico te aguardando na clinica de imagem... - ela virou para ir embora.

- Tudo bem... Vitória?! - a chamei.

- Sim? - ela virou e nos olhamos.

- Você está linda. Quer dizer, a gravidez te caiu bem. - falei gaguejando com uma mistura de timidez e receio, sabia que aquele era um território perigoso e atualmente desconhecido por mim.

- O tempo também te fez bem... - Vitória correspondeu confiante ao meu elogio e ainda me secou de cima a baixo, eu corei tímida. Ela por fim foi embora, quase que em uma fuga para não me encarar mais e eu fiquei ali refletindo sobre tudo que acontecera...

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