OS GRITOS NUNCA PARAVAM. Quando ela percebia que gritar podia me acordar, o choro baixo é que os substituia, tomado por soluços e grunhidos de dor. Pare de chorar, mamãe, era o que eu podia dizer quando a via. Mate ele, mamãe, é o que eu sentia vontade de dizer.
Era jovem demais para reagir a favor dela e ainda assim tentava, me arriscava, porque amava minha mãe mais que tudo no mundo. Já tinha visto coisas muito ruins com apenas seis anos, já entendia que não podia ser fraca, não podia ter medo, não podia ser criança.
Mas eu tinha medo, tinha muito. Era Andrea que dizia para mim "não chore na frente dele", quando ele me batia. Ele dizia "não faça nada de errado, ele castiga a mamãe pelos nossos erros". Meu irmão era sincero. Nenhuma criança de seis anos conseguiria entender o que ele queria dizer, mas eu entendia.
Não fui criança nem quando minha idade me obrigava a ser. Já sabia o que era estupro, sabia o que era sexo e, lá em casa, não era algo bom. Já sabia o que era tortura, abuso, todas as coisas ruins que via meu pai fazer com ela.
Tinha visto mais pessoas mortas em minha casa do que brinquedos em minha estante.
Meu pai queria moldar Andrea, tornar meu irmão uma versão jovem dele, para que quando crescesse, se tornasse algo ainda pior. Andrea fingia entendê-lo, admirá-lo, fingia ser quem não era para não se tornar mais uma vítima do nosso pai. Para poder, de alguma forma, interceder a nosso favor. Meu pai o ouvia, às vezes.
Mas ele também era uma vítima.
Se errasse um alvo, tortura, se hesitasse em matar alguém quando era só um adolescente, tortura, se me defendesse de uma surra, se defendesse a minha mãe, tortura.
Vivíamos a base da tortura. Dói lembrar, consigo sentir o ardor das cintadas, ou os tapas que me faziam cair no chão e se bater contra coisas, machucando a cabeça, as costelas, as pernas ou os braços. Me lembro também dos cortes na mão, era a maneira preferida dele de me castigar.
Era o quinto grito daquela noite e já estava doendo em mim. Andrea não tinha chegado ainda, então sai do quarto em direção a sala de estar, para ver meu pai enforcando a minha mãe, por cima dela, fazendo sexo com ela contra a vontade da mesma. As lágrimas escorriam pelo seu rosto, tinha sangue em seu braço e em sua testa, e um grande roxo em sua coxa.
— Não grita — ele rosnou, batendo no rosto dela. — Você quer acordar a pirralha, quer?
— Por favor… — a minha mãe choramingou.
— Por favor? — ele riu, e por algum motivo ela gritou de novo.
Entrei de súbito na sala, ela me encarou assustada e ele me encarou com ódio.
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Paixão Mortal
RomanceSeria irônico que uma pessoa que odeia casamentos e sempre deixou claro que nunca, em hipótese alguma, se casaria com ninguém, fosse obrigada a se casar? Kiara sempre teve aversão a relacionamentos - a relação de seus pais a convenceram de que essa...