— São novos tempos, meu senhor. — Minha mãe caminha de um lado para o outro, girando a faca entre os dedos. Verifico a babá eletrônica através do meu celular mais uma vez, só para ter certeza que Leone continua brincando no quarto, em casa, o mais longe possível dos monstros.
Os meus pais trabalham duro para ter certeza que existirá menos deles quando eu e o meu irmão crescer. Nunca serão aniquilados por inteiro, o mundo em paz não é o mundo e não vale a pena perder tempo tentando romantizá-lo. Mas temos um objetivo aqui, por debaixo dos panos ou não, todos estão entendendo a mensagem. A mudança começa de dentro para fora, é o que meus pais sempre dizem.
— Se não consegue honrar a própria integridade da sua mulher, quem nos garante que será fiel a nós? Quem pode garantir que, se tiver uma oportunidade, você não irá levantar a mão para mim caso eu discorde da sua misoginia? Que um filho seu com aquela pobre garota não irá levantar a mão para minha filha, em uma possível oposição, quando ela assumir o controle? Vocês são a famiglia mais próxima, é claro que tentarão firmar alguma aliança futura com os Costa. O mal deve ser podado sempre pela raiz. Se é tão machista quanto parece, a sua fé na Camorra não é cega a ponto de não perceber que sou uma mulher, certo? Que você responde a uma mulher? Ou é por isso que desconta suas frustrações na sua esposa? Vamos, me responda! — Kiara grita entre os dentes e arremessa um golpe certeiro no ombro do homem, que continua imóvel, impassível, de cabeça baixa, mesmo com uma lâmina perfurando sua carne. — Covarde del cazzo. — Ela cospe. Eu abro um sorriso orgulhoso e admirado para a minha mãe, mesmo que ela não possa me ver.
Ver a minha mãe trabalhar é como assistir a um espetáculo. Ela é fria, é calculista, é implacável. Ela move as mãos pelos objetos de tortura e executa de suas funcionalidades como se estivesse preparando uma receita de biscoito, com leveza, com mastreia, com total e pura satisfação. Ela tem gosto pelo que faz, não ganhou o apelido de Justiceira à toa. Os meus pais são incríveis, e eu quero ser também, igual a eles.
Ouço um pigarrear e viro-me num sobressalto, armando posição de ataque com as duas adagas gêmeas que eu usava para treinar agora a pouco. Solto a respiração quando percebo que a figura de quase dois metros à minha frente é o meu pai. Ele está com os lábios franzidos e braços cruzados. Está bravo.
— Aí está você, And. — Ele assume o óbvio, utilizando o apelido que meu irmão me deu quando começou a falar. — Eu deixei você vir para cá hoje para treinar, querida, e não para se esgueirar pelos corredores para espionar sua mãe. — Ele censura. Eu reviro os olhos, guardando as adagas no coldre da cintura.
— Desculpa, meu velho. Mas você nunca me deixa ver. Eu já tenho treze anos, com essa idade o Axel já estava no segundo ano do treinamento e Pietra já tinha começado oficialmente o dela. Mirella já é enviada para missões e a Sophie quem não quis começar o treinamento, alegando que a intelectualidade também move montanhas. Acho que o Leone vai ser como ela, e como você. Mas eu? Eu sou como a mamãe, papai. Quero ser pelo menos metade do que ela é. — Volto a olhar pela fresta da porta e sinto o peso das mãos do meu pai em meus ombros. Ele respira fundo.
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Paixão Mortal
RomanceSeria irônico que uma pessoa que odeia casamentos e sempre deixou claro que nunca, em hipótese alguma, se casaria com ninguém, fosse obrigada a se casar? Kiara sempre teve aversão a relacionamentos - a relação de seus pais a convenceram de que essa...