É impossível saber se é dia ou noite, ou sequer a quanto tempo estou preso aqui. A droga e a fome reviram meu estômago, a última vez que Rosa trouxe algum alimento para mim, ela ameaçou me matar caso eu não aceitasse fugir com ela.
O amor e a obsessão batem no peito de alguém na mesma frequência. Correm juntos e disputam espaço — no amor, você é capaz de ir ao inferno pelo bem estar de alguém, independentemente dessa pessoa estar ao seu lado ou não. Na obsessão, você é capaz de transformar a vida desse alguém em um inferno para ter essa pessoa ao seu lado.
Achava loucura que sequestros e envenenamentos e até torturas sejam métodos aceitáveis de conseguir a atenção e o afeto de alguém. O que esperam ganhar com isso? Amor incondicional? A pessoa que foi capaz disso pelo meu irmão, acabou trancafiada em um hospício definhando aos poucos — isso se já não estiver morta.
Começo a me perguntar como a Rosa conseguiu arquitetar tudo isso, quem a ajudou. Como ela me envenenou no avião e onde aterrissamos — não passo tempo o suficiente acordado para chegar a conclusões aceitáveis. Tento armazenar o resto de energia que me resta para quando realmente precisar, mas o que mantém minha mente acesa, acima de tudo, é pensar na Kiara. Pensar em como ela deve estar agora. Se ela sabe que meu sumiço não foi intencional ou se Rosa arquitetou um plano ainda maior para fazer parecer que a trai.
Contudo, me conforta saber que o alvo sou eu e não ela. Ela está segura em casa, independente do que esteja pensando de mim agora. Espero que Mattia e Giovanni sejam inteligentes o suficiente para reparar que tem algo de errado acontecendo e que não coloquem a Kiara em risco no processo. Prefiro morrer a deixar que ela arrisque a vida para me salvar.
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Nunca pensei que eu fosse precisar colocar todos os meus treinamentos à prova de fogo — ou de água — desse jeito. Fui acordado com um balde de água gelada no corpo e em seguida dois homens me arrastaram para fora desse quarto imundo até uma sala um pouco maior, para enfiar a minha cabeça numa bacia cheia.
Minha cabeça é puxada para cima de novo e a náusea revira o meu estômago. Não consigo abrir os olhos por tempo o suficiente para conseguir sondar onde estou. Contudo, eles não enfiam minha cabeça na água de novo, dessa vez um dos homens me dá um soco que faz meu rosto despencar para o lado. Passo os dedos na bochecha que sangra e cambaleio para trás.
— Ótima recepção, me sinto lisonjeado por tanta atenção e cordialidade… — Cuspo o sangue para o lado e me sento numa cadeira posta no meio da sala. — Agora posso saber o que estou fazendo aqui? Não acredito que a Rosa tenha arquitetado isso, afinal não há como ela me ter se eu estiver morto. — Aperto os olhos e apoio as mãos nos joelhos.
Os homens não me respondem. Eles viram as costas e saem. Pelo menos meus novos aposentos são maiores e tem água limpa. A tortura, ao menos, serviu para me acordar, fazer meu sangue circular, ainda que eu esteja com frio — ainda bem que ser exposto a altas ou baixas temperaturas fez parte do meu treinamento, e estou previamente preparado para algo pior.
— Você disse que ele viria comigo! Por isso eu lhe ajudei! Você disse que eu levaria ele assim que ela chegasse aqui! Disse que não haveria torturas, que o envenenamento era para deixar ele fraco! — Ouço Rosa esbravejar do outro lado da porta e levanto a cabeça, atento. Então, uma voz baixa e masculina.
— Eu disse, mas se você pensasse um pouco ia ver que não tem sentido deixar o homem cuja mulher que eu quero é apaixonada, vivo. — Discursa ele. Cerro os punhos, finalmente vendo as peças se encaixarem.
— Você é um doente! — Rosa acusa e o homem ri. Paolo, é esse o nome do aprendiz da Kiara. Paolo Bianchi, mostrando que mais uma vez o aprendiz supera o professor.
— E você não? — Ele julga. — Procurei você porque pelo histórico e as poucas informações que a Kiara me deu ao longo do tempo em que passamos juntos, eu sabia que você seria capaz de qualquer coisa para ter o que quer e que seria uma arma conveniente contra os dois, visto que ela tem ciúmes de você.
— Eu não tentaria matar ela para tê-lo, Paolo…
— Não tentaria, mas gostaria de vê-la morta, não? — Uma risada sombria. — Certo, se você não quiser morrer também, tendo em vista que se eu não matá-la, a própria famiglia lhe mata por traição, peço que colabore. — Ele discursa.
— O que você acha que vai conseguir matando ele? A admiração dela? Não somos amigas, mas eu sei que a Kiara não é assim! — Rosa discute.
— E você? Acha que ele sequer tocaria em você depois de tudo que armou? É melhor que você sofra pelo luto do que pelo desprezo. — Desdenha ele.
— Vocês falam tão alto que até eu estou curioso para saber o que você acha que vai conseguir com a Kiara depois de me matar. — Eu expresso ofegante, a voz rouca e falhada por conta dos dias sem comer ou beber nada.
A porta é aberta, Paolo entra por ela com as mãos atrás do corpo. É claro que sei quem ele é, visto que mesmo de longe, acompanhei a vida da Kiara de perto.
— Kiara sempre gostou que eu superasse as suas expectativas, sempre me deu lições sobre como a paciência é importante e como devemos saber o momento certo de atacar. Mas a mais importante de todas foi que… quando queremos ser algo ou quando queremos algo… temos que ir lá e pegar, ir lá e…
— Fazer o que tem que ser feito… — Coloco as mãos para trás e descanso a cabeça na cadeira, o encarando com os olhos quase fechados.
— Isso — ele sorri com insanidade. É inevitável notar as marcas que as maldades do mundo deixam nos olhos de alguém, manchadas como nanquim. — E você, que a conhece tão bem, me diga, há uma jogada melhor do que essa? — Observo quando ele tira um soco inglês do bolso do terno e se aproxima em passos lentos até mim. Os dois homens reaparecem das portas adjacentes e agarram meus braços para trás.
Dou os ombros com indiferença e passo a língua nos lábios ensanguentados.
— Se foi isso que você aprendeu com o que ela ensinou… devo dizer que aprendeu errado. Foi ela que ensinou você, Paolo, mas fui eu quem ensinou tudo a ela. — Isso parece enraivecê-lo, pois ele me acerta um murro e tombo a cabeça para o lado.
— Como você fez ela amar você… — Ela rosna entre dentes e percebo a insanidade na sua voz.
A Kiara é esse tipo de mulher. Do tipo que se não levar você ao paraíso, te levará ao abismo da loucura. Do tipo veneno e vício que causa ápices de prazer e êxtase, amor e ódio alternado. Sei o que é sentir constantemente tais coisas, mas sempre tive a consciência de que ela sempre foi minha.
— Ela sempre foi minha, Paolo — cuspo sangue em seus pés. — Independente de com quantos caras ela brincou ou quantos se apaixonaram por ela. Ela sempre foi e sempre será minha. — Ela dá uma gargalhada ceticista e balança a cabeça, se recusando a aceitar as minhas palavras.
— Tem mais alguma coisa a dizer antes de começarmos a brincadeira? — Ele tira um canivete do bolso. Balanço a cabeça para mostrar que sim.
— Não tenho medo da morte, Paolo, e se eu sair vivo daqui… prometo mostrar o porquê me chamam assim.
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Paixão Mortal
RomanceSeria irônico que uma pessoa que odeia casamentos e sempre deixou claro que nunca, em hipótese alguma, se casaria com ninguém, fosse obrigada a se casar? Kiara sempre teve aversão a relacionamentos - a relação de seus pais a convenceram de que essa...