CAPÍTULO 1

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Desperto com o toque estridente do meu celular na mesa de cabeceira. Hoje é segunda-feira, e é a minha folga do trabalho, mas a supervisora do hospital sabe que eu sempre me coloco 100% a disposição de todos os meus pacientes, e que sempre que ela precisar de mim pode me ligar.
Fazem três anos que eu estou trabalhando como chefe da unidade intensiva de um dos melhores hospitais do Rio de Janeiro.
É um trabalho cansativo e desgastante, mas eu sou apaixonada pelo que faço.

- Bom dia, Doutora Aline! - atendo com a voz rouca de sono.

- Bom dia, Doutora Amanda! Me desculpe por entrar em contato no seu dia de folga, mas eu tenho um assunto de extrema urgência para tratar com você. - ela faz uma pausa e respira fundo, me deixando um pouco apreensiva. - Preciso de você aqui imediatamente.

- Sem problemas, doutora. Estarei ai o mais breve possível. - respondo pulando da minha cama em direção ao meu banheiro.

Moro em um apartamento espaçoso em um ótimo bairro da cidade.
Sou muito grata pelas minhas conquistas, pois sei como foi difícil todo o meu caminho até aqui.
Me lembro como foi difícil conseguir uma bolsa de estudos integral em uma universidade pública, e como foi complicado para os meus pais me manterem financeiramente em outro Estado enquanto eu me matava de estudar. Logo depois de formada eu consegui um trabalho no Sistema Único de Saúde através de concurso público, e trabalhei durante dois anos no pronto socorro de um hospital de condições muito precárias. Aquilo fez eu me tornar uma pessoa mais humana e mais atenciosa com todos a minha volta. Eu amava aquela rotina e ao mesmo tempo ficava indignada com a falta de estrutura daquele lugar. Logo em seguida consegui o emprego no hospital que eu trabalho atualmente, e desde então trabalho com os piores casos que pudesse imaginar. Vejo pessoas lutando pela vida. Pessoas desacreditadas, sem sinais de que voltariam a viver. Eu amo esse caos. Amo quando consigo trazer alguém de volta a vida, amo ver pessoas voltando a andar, voltando a falar. É lindo. Mágico.
Depois de um banho, escolho rapidamente uma roupa confortável, bebo um café preto e vou até o hospital, pensando no caminho todo o que poderia ser o assunto que a Doutora Aline gostaria de falar comigo. Senti um leve frio na barriga, e segurei com força a medalha do Espírito Santo que carregava no meu pulso, e não tirava nunca, pois foi um presente da minha mãe, e uma forma de carregar ela sempre comigo.
Assim que entrei no hospital, encontrei uma Aline frenética me esperando perto do balcão da recepção, junto com um rapaz alto, magro, com um aspecto agitado e triste ao mesmo tempo.

- Senhor Frederico, peço que o senhor espere alguns minutos enquanto eu resolvo essa situação. Com licença. - diz Aline para o rapaz, apontando para ele se sentar na recepção, e me chamando com um aceno de cabeça.

Sigo em silêncio atrás dela pelo corredor de acesso a área administrativa do hospital, até chegarmos a seu escritório.
Aline era a diretora administrativa do hospital. Uma médica muito competente, e uma diretora muito séria.
Ela era um exemplo a se seguir, e eu admirava muito ela como profissional e mulher.
Ela é magra, tem a pele negra, brilhosa e sedosa. Está sempre muito bem vestida e com um salto alto e uma postura firme.
Ela entra em seu escritório, aponta para eu me sentar na poltrona em frente a sua mesa enquanto da a volta e se senta em sua cadeira, respirando fundo e pegando seu caderno com algumas anotações.

- Doutora Amanda, eu tive uma reunião de emergência com os representantes de um dos planos de saúde que são conveniados a esse hospital, e com o Senhor Frederico, que estava na recepção, e o Senhor Mario, advogado. - ela pega uma jarra de vidro com água em sua mesa. - Aceita?

- Não, obrigada. - eu respondo nervosa, mexendo inquieta em meus cabelos.

- Bom, vamos ao assunto. - ela respira fundo, bebendo um gole da água. - Eu tenho uma proposta muito séria para você, peço que pense muito bem.

Eu respiro fundo.

- Você já ouviu falar no Cara de Sapato, lutador de MMA? - ela me questiona.

- Esse nome não é estranho, acho que já ouvi falar, mas não sei exatamente.

- O nome dele é Antonio Carlos. É um dos melhores lutadores do UFC. A dois dias atrás no sábado, ele teve uma luta muito importante, na qual foi nocauteado. Ele levou um soco muito forte na lateral direita da cabeça e caiu desmaiado. Logo em seguida teve uma convulsão. Ele entrou em coma e ainda não acordou. O quadro clínico dele é estável, porém a família está muito preocupada pois os médicos não deram previsão de quando ele irá acordar do coma. - ela bebe mais um gole de água enquanto me fita diretamente nos olhos.
- A família dele resolveu trazer ele de volta para o Brasil. O avião dele irá pousar essa noite, vindo de Miami. Eles têm um plano de saúde que é conveniado com esse hospital, e solicitaram um serviço exclusivo na residência dele, longe dos olhos dos curiosos e da imprensa. É aí que você entra na história.

Eu respiro fundo, confusa.

- Você é a minha melhor médica, atende todos os requisitos da família, do plano de saúde, do advogado do Senhor Antonio, que no caso também é irmão dele, e do empresário do mesmo. - ela pega uma folha de papel e coloca na minha frente em sua mesa. - Esse é um contrato redigido pelo advogado. Eu preciso que você monte uma equipe com um enfermeiro, um psicólogo e um fisioterapeuta para te ajudar. Confio que você irá escolher os melhores profissionais, pois conhece a nossa equipe médica melhor do que ninguém.

- Uau, é muita responsabilidade. - eu digo pegando a folha do contrato.

- Tem mais. - ela responde. - Vocês serão desligados do contrato com o hospital por tempo indeterminado, e trabalharão exclusivamente para a família do lutador. Terão que morar na casa dele, e farão uma escala de horários determinada por você. Por isso peço muita atenção nas pessoas que você irá escolher, para não trazer problemas futuros. A casa na verdade é um rancho, no interior no Rio de Janeiro. Fica em um lugar bem remoto nas montanhas. Por isso, novamente, cuidado com a escolha da equipe pois não é um caminho fácil para ficar indo e voltando para a cidade. Então todos vocês ficarão hospedados por tempo indeterminado no local.

- Eu acho que agora eu aceito um pouco dessa água, isso é loucura, meu Deus! - eu respondo agitada.

- Eu sei que estou pedindo muito de você, mas eu confio plenamente no seu trabalho e na sua competência. - ela me serve um copo d'água enquanto continua. - Os valores dos salários estão especificados no contrato. Você irá fazer as escalas de horários e folgas, e também vai escolher quem fará parte da equipe.

- Eu preciso pensar! - respondo nervosa.

- Doutora Amanda, por favor? - ela me pede. - Você é a minha melhor profissional, eu confio muito em você, te imploro que aceite. Se a gente não der uma resposta logo, podemos ter problemas com o plano de saúde. O advogado e o empresário do Senhor Antônio estão esperando na recepção. Por favor? - ela me suplica.

- Pode me dar dez minutos, por favor? - eu peço me levantando.

- Dez minutos, nada a mais. - ela me responde firme.

Eu saio da sala com o contrato na mão. O valor é um absurdo de tão bom. Eu poderia pagar uma boa parte do meu empréstimo estudantil. E ajudaria muito as outras pessoas da equipe, com certeza.
Toca agitada a medalha no meu pescoço, enquanto entro na minha sala e me sento na minha mesa.
Quem é esse cara e por quê todo esse atendimento personalizado?
Eu sou uma pessoa que vivo uma rotina simples, de casa para o trabalho, e não tenho ninguém para dar satisfação sobre a minha vida, então poderia muito bem aceitar essa proposta. Mas eu não poderia exigir isso de outras pessoas. Quem eu iria escolher? Eu deveria realmente aceitar? Alguma coisa está me fazendo pensar que sim, eu deveria.
Resolvo ligar rapidamente para minha mãe e pedir sua opinião. Tenho cinco minutos antes de voltar para a sala da Aline.

- Mamãe? - eu digo assim que ela atende.

- Mandi Lice, minha filha, o que houve? - ela me pergunta, e eu dou um breve resumo de toda a conversa que tive com minha supervisora. - Amanda, amor da mamãe, siga o seu coração, ele é e sempre será o melhor caminho. E não importa o que você decidir, saiba que eu e seu pai sempre iremos te apoiar. Agora respira fundo, decida-se, e vai dar a resposta que a mulher está esperando.

- Muito obrigada, mamãe. Eu te amo muito, muito! Manda um beijo para o papai. - eu respondo, desligando.

Respiro fundo, pegando o contrato nas minhas mãos e indo em direção ao consultório da Aline.

Minha decisão está tomada.

CLAREOUOnde histórias criam vida. Descubra agora