Braga...
Canário: Olha que fofo, irmão. — Ele chega junto me mostrando o cachorro dos pelos pretos. — Dá oi pro titio, filho. — Faz uma voz fina deixando o cachorro cara a cara comigo.
— Caralho, some com esse bicho daqui, porra! — Levanto do sofá, estressado. — Já passei a visão que tu pode trazer ele pra cá, mas ó, não deixa ele perto de mim não. — Falo sério, passando a mão no meu rosto.
Não tem quem faça eu curtir esses negócios, de ficar de chamego com animal...
Bruna: Deixa de você ser da roça menino, o coitado nem te fez nada. — Se intromete, gritando do chão, já que estava jogada no tapete da sala.
Canário: Deixa ele Bruninha, eu ainda vou ver ele amando o meu filho. — Fala cheio de marra. — Bora papai. — Sai da sala indo para a varanda com o bicho nos braços. O Costa que estava ali também, acaba dando risada junto com a Lorenna.
Eu nem dou muita moral, só fico na minha. Respiro fundo, calado. Levanto meu olhar para a minha frente, onde a Estela estava sentada no sofá em frente ao meu, me olhando. Eu já peguei essas olhadas que ela me passa umas vezes, não sei o que passa na cabeça dela, mas, eu conheço muito bem quando uma mulher me olha com desejo.
Ficamos naquela troca de olhares, eu estreito meus olhos para ela que nega com a cabeça e desvia o olhar depois que percebeu que eu não iria, passando as línguas nos lábios. Eu não quero começar ver ela como uma das mulheres que eu facilmente ficaria, até porque ela tem um papel único na minha vida; me fornecer as minhas drogas. Mas olhando bem para a pretinha cheia de marra, que está a poucos passos de mim, eu foderia ela se pintasse um clima, sem pensar duas vezes.
Eu dou um meio sorriso e respiro fundo. Pensa com a cabeça de cima Braga... Falo comigo mesmo.
Meu celular vibra no meu bolso e eu pego, onde tem uma notificação de uma mensagem do Carioca, avisando que estava tudo certo.
— Tenho um caô pra resolver. — Aviso para eles que estão aqui na sala. — Só volto mais tarde.
Costa: É sobre o moleque lá? — Pergunta, se referindo ao que eu dei o tiro. Eu só concordo com a cabeça. — Firmeza, eu tô vazando já com a Lorenna.
— Vão colar no baile? — Pergunto me levantando do sofá, pegando meu boné preto e ajeitando ele na cabeça. Vou andando até a porta de casa, abrindo ela.
Lorenna: Eu vou, inclusive, as meninas vão junto comigo. — Ela avisa mais para o Costa do que pra mim. — Noite das garotas.
Costa: Tu se liga, tô palmeando seus passos. — Eu olho pra eles que estão vindo aqui pra fora também, ele com o braço em volta do pescoço dela.
Paro de prestar atenção na conversa deles e sigo meu caminho pra boca, aonde os dois moleques de ontem estariam me esperando. Vou andando pela rua, virando a esquina e vendo de longe a Fernanda no bar junto com uma amiga dela. Eu até tento passar despercebido, mas a desgraçada me vê.
Fernanda: Benzinho! — Ela grita pra que todo mundo que estivesse na rua pudesse ouvir, não só eu. Eu não falo nada, só para de andar olhando pra ela. — Tá indo aonde, meu amor? — Ela fala alguma coisa no ouvido da amiga, caminhando até mim e olhando para os dois lados da rua, atravessando.
— Qual o teu caô? quer o que? — Não respondo ela, já sendo direto e reto, sem querer nenhuma enrolação. Não estava com tempo nem pra coçar o saco.
Fernanda: Nossa, pra que ser grosso assim, lindo. — E ela segue com esses apelidos, como se quer tivéssemos algo. — Hoje tem baile né? bem que você podia me levar pra curtir contigo.
— O baile é pra todos da comunidade pô, tu pode ir. — Falo simples, passando o olhar pela rua. Tudo muito calmo.
Fernanda: Mas eu quero ir com você né. — Ela se aproxima e passa os braços pelo meu pescoço, com os braços cruzados eu estava, com eles eu fiquei. Só olhando bem pra ela, se oferecendo desse jeito. — Me leva, hum? — Faz biquinho.
Eu respiro fundo totalmente impaciente e tiro seus braços de mim.
— Tenho um bagulho pra resolver, tô sem tempo pra tu agora. — Ela me olha com desgosto, fazendo uma cara de brava, tentando me comover. — Depois a gente se tromba, jaé?
Fernanda: Tudo bem, amor. — Ela aproxima seu rosto do meu, tentando me dar um selinho. Eu só faço virar meu rosto, e ela beija minha bochecha.
Saio dali ajeitando meu boné na cabeça e colocando minhas mãos por dentro do meu bolso da calça. Passando pela quadra eu já vejo as preparações pra o baile de hoje a noite, sexta-feira, dia de fluxo e um puro lazer do pessoal da comunidade, alguns ainda estão trabalhando no horário que começa, outros não. Mas sempre que chegam do trabalho já partem pro baile, curtir, desastresar e beber pra um caralho. Eu gosto de ver o pessoal daqui nesse clima.
Depois de um tempo eu entro na boca, passando pelos caras que me cumprimentam. Eu entro na salinha encontrando os dois junto com o Carioca.
Carioca: Estão aqui. — Ele levanta da cadeira, apontando pro sofá.
— Sabem por você estão aqui, né? — Me aproximo do sofá, vendo o Luís balançar a cabeça e o outro que até agora eu não sei o nome também. — Qual teu nome? — Pergunto pra ele.
Vinícius: Vinícius. — Fala com a cabeça baixa.
— Levanta a cabeça e me olha nos olhos, Vinícius. — Minha voz sai autoritária, fazendo ele me olhar assim que eu mando. — Por que tu fez aquilo?
Vinícius: Eu... — Ele coça a garganta. — A gente tinha brigado na escolinha, tio. Eu fiquei com raiva dele porque ele ficou me zoando com meus colegas porque eu perdi no jogo, eu não gostei daquilo. — Fala triste. — Eu não queria fazer mal pro Luís, ele é o meu melhor amigo, eu só não gostei dele ter entrado na onda dos caras e ficar me zoando também, ele sabe que eu não gosto. — Quando ele termina de falar, já estava chorando de novo, abaixando a cabeça. Eles devem ter no mínimo dez anos de idade.
Luis: Eu pedi desculpas. — Se justifica, também meio triste. — Eu não sabia que tinha te machucado tanto, se eu soubesse pediria pra os caras pararem, era só você me avisar, cara. — Ele passa as mãos nas costas do Vinicius, que só chora baixo. — Me desculpa.
Olhando aquela cena eu acabei entendendo o lado do Vinicius, mas não justifica muita coisa não. Ele só não fez coisa pior porque eu realmente impedi, mas diante das circunstâncias, ele só procurou uma forma de mostrar que tinha ficado com raiva, por mais que não tenha sido a melhor delas.
— Vocês tem que aprender um bagulho. — Depois de uns minutos, de deixar o Luís consolar o amigo, eu falo. — Luis, tu tem que entender o momento de parar uma brincadeira, você é amigo do Vinícius, não deveria ter continuado uma brincadeira que estava deixando ele desconfortável. — Falo. — E Vinícius, saiba um bagulho, a violência na maioria das vezes não é a melhor solução pra dizer o que tá te machucando. — Os dois me olhavam atento. — Eu sou traficante, tenho meu histórico meio manchado pra tá dando lição de moral em tu, mas não deixa o ódio te consumir em momentos de fraqueza, talvez tu não entenda isso agora, mas vai entender quando tiver mais velho. E vai lembrar de mim.