Braga…
Miro meu olhar sob a sustentação do gesso que está enroscado em seu antebraço, transpassado em seu pescoço pela fita branca. Nando tem seus pares de olhos fixos em minha direção sentado sobre a cadeira e, ao seu lado esquerdo, Costa firma uma postura endurecida. Enquanto a voz reverbera fria dos meus lábios, Nando engole em seco.
— Se tu está na contenção da minha casa, confiança eu tenho pesadona. — agravo meu tom de voz, que ecoa potente e some entre as paredes do cômodo que contém o eflúvio da erva. — Rocinha está no meu comando há mais de uma década, eu não brinco de ser traficante não. — inflexível, minha voz ruge destinada a seu porte. — Qual foi, meu chapa. Passa a visão do que aconteceu, e sem ramelar. Estou te dando a oportunidade de se explicar no tét a tét e dar sua versão antes de eu chamar os dois que te meteram a porrada aqui pra dentro.
Calculo meus movimentos, trazendo minha mão aberta para perto, deslizando por meu maxilar tenso.
Nando: Não tenho nada a me explicar não, Braga. — sua compostura enfraquece na cadeira quando ele tenta elevar a voz, erguendo o antebraço enfaixado. — Filhos da puta me pegaram na maior covardia, era eles me metendo a porra e eu tentando me esquivar e dizer que só fui atrás daquele zé mané porque ele está de traição na tua favela. — a palma da mão vai de encontro ao antebraço, expressando uma feição dolorosa. — Saí agora da merda daquele posto sem ao menos pedir pra enfermeira, só para você não meter os pés pelas mão e mandar que me matassem, sem escutar o que eu tenho pra te falar e ser pego desprevenido, apunhalado pelas costas. — a respiração fica desregulada. — Eu conheço seu fundamento, não preciso que me lembre.
Costa: Tu tá tagarelando a beça, porra. — seus passos são conduzidos para lateral da mesa, emputecido, suas sobrancelhas se unem. — Mete a real do que aconteceu então, irmão.
Nando: Eu vou. — ressoa a voz grave. — E papo reto, estou com esse braço fraturado e é só por isso eu não meti bala na testa daqueles dois desgraçados.
— Minha paciência está por um fio de se esgotar, caralho. — meus músculos enrijecidos se sustentam sob o pano da camiseta azul. — Se já conhece meu fundamento é só abrir a boca, porra. — balanço no ar a pistola que meus cinco dedos entrelaçam. — Abre a porra da boca. — me aproximo com cautela, dando dois passos para frente.
Nando respira fundo, evidenciando a dor que sente ao se levantar da cadeira. Desajeitado, ele usa a palma da mão livre para perto do bolso traseiro da sua calça, retirando um bolo de papéis brancos, cobrindo entre os dedos e em passos curtos, se aproximando da mesa. O homem de pele escura libera um resmungo dos lábios, e com pouca agilidade, abre os papéis com apenas cinco dedos sobre a mesa.
Nando: No dia que você e sua mulher saíram e me passaram a visão de que iriam para a ilha, demorou pra que eu fosse para minha goma. — deslizo meus olhos pelas fotos. — Fiquei na contenção da sua irmã, sua mãe já tinha saído pra comprar a passagem dela. Quando eu ia embora, o tal do Ferreira, amigo aí da Estela, esse fanfarrão se aproximou lá atrás dela. Nos olhos dele eu vi má intenção. — ele dá um passo para trás. — Pensei que ele fosse embora quando eu vi a Bruna dizendo que ela não estava, mas aí foi erro meu. A parada foi que escutei uma conversa estranha dele com um menor e eu não entendi do que se tratava até escutar o Ferreira dizer que encontrava ele na barricada da Nova Maré.
Capto sua voz adentrando em meus ouvidos, prendendo-se em meus tímpanos. Finco meus dentes, travando meu maxilar. Com a raiva iminente correndo em meus olhos, minha percepção visual fita as fotos que mostram Ferreira na barricada, ao lado de um traficante da Nova Maré.
Nando: Eu tô ligado que o pai dela mandou ele pra cá porque confiava, mas ele já tinha em mente afundar sua favela desde que viu você e a Estela juntos. — estreito meus olhos. — Nico me contou que eles terminaram tinha pouco menos de três meses um rolo que eles tinham quando ela veio te entregar a carga que o pai dela mandou. Esse zé buceta é alienado, não aceitou o fim.