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Estela...

A favela estava mergulhada em uma escuridão que parecia se estender além da vastidão que estava cobrindo o céu. Tudo estava morto e silencioso, exceto dentro de mim, onde um furacão de dor e desespero me consumia por completo. O sangue de Braga ainda estava nas minhas mãos, pegajoso e quente, como uma lembrança cruel do que acabara de acontecer. O desespero ainda me consome. Ele estava lá, estendido no chão, enquanto eu lutava para manter a lucidez.

Eu sentia como se o tempo tivesse parado. O cheiro metálico do sangue de Braga invadia minha narinas e mergulhava nas paredes do meu olfato, a todos momento, cada detalhe, me faz ficar mais apavorada. A chuva que começava a cair parecia zombar de mim, como se tentasse lavar uma culpa que sabia que nunca sairia. Aquele sangue não era só o dele. Era meu também. Cada gota representava uma parte de mim que estava escorrendo para fora junto com ele. Cada respiração dele, cada fôlego fraco que escapava dos seus lábios, me rasgava por dentro.

Loiro estava morto. Eu o matei. Naquele momento, não vi o rosto dele se distorcendo em dor, mas em câmera lenta, assisti o corpo caindo como um saco de ossos, e nada disso me deu paz. Tudo o que eu queria era salvar Braga, mas eu sabia que tinha falhado. Ele estava ali, no limiar entre a vida e a morte.

Me ajoelhei ao lado de Braga, segurando sua mão como se minha própria vida dependesse disso. Minha respiração era irregular, quase tão fraca quanto a dele. Eu nunca o tinha visto assim. Braga era sempre o mais forte, o mais duro, o que sempre encontrava um jeito de sair de qualquer situação, por mais desgraçada que fosse. Mas agora ele estava caído, indefeso, e eu não sabia como lidar com aquilo.

— Por favor, aguenta, Braga. - minhas palavras saíram trêmulas, mal audíveis, abafadas pela chuva. - Não pode me deixar assim... não pode.

Olhei para o rosto dele, os olhos semicerrados, a pele pálida. O sangue continuava a fluir, e eu pressionava a mão contra o ferimento no peito, tentando estancar, mas era inútil. A cada segundo que passava, parecia que ele estava se afastando mais de mim, como se a morte estivesse aos poucos levando embora o homem que eu amava.

Amar. Esse sentimento me rasgava agora, como se fosse algo que eu nunca deveria ter experimentado. Desde que eu e Braga nos envolvemos, eu sabia que as coisas não seriam fáceis, mas não esperava que fossem assim. O caos que experimentamos juntos era quase tanto quanto o amor que sentimos. Nosso lance complicado trouxe o céu e o inferno para dentro de mim... Mas agora, vendo ele ali à beira da morte, percebi que não importava quão duro ele fosse, quão implacável ele aparentava ser. Ele era apenas um homem. Um homem que, por ser tão explosivo, agora estava pagando o preço de todas as nossas escolhas.

Loiro morreu. E agora, Braga... talvez eu estivesse prestes a perder também a única pessoa que ainda me mantinha inteira, mesmo em meio à guerra que nossas vidas tinham se tornado.

Eu deveria ser forte, fui criada para isso. Mas naquele momento, tudo o que eu sentia era fraqueza. Fraqueza por não ter conseguido evitar isso. Fraqueza por não ter previsto o que estava por vir. O rosto de Braga estava coberto de lama e sangue, e por mais que eu tentasse limpar com as mãos trêmulas, mais sangue surgia. Mais desespero crescia dentro de mim.

— Você me prometeu que a gente ia estar juntos, até o final. - sussurrei, apertando a mão dele mais forte, como se o toque pudesse trazê-lo de volta. - Não pode ir embora agora, não assim. Não por minha culpa...

Minha mente voltava à cena. O tiro. O som abafado, o grito que nunca saiu da minha boca. Senti um soluço preso na garganta, mas segurei. Não podia fraquejar, não agora. Os homens de Braga estavam ao redor, tentando garantir que o resto dos invasores tivesse sido eliminado, mas nada disso importava. A favela podia estar segura, mas minha vida estava em ruínas. Tudo o que eu sabia naquele momento era que eu não podia perder ele. Não podia. Não depois de tudo.

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