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Braga....

Externo minha visualidade em meio ao ruído dos tiros sendo lançados sobre o breu que se fazia no céu e cobria minha comunidade, na madrugada, enquanto a garoa curvar-se em cada beco erguido. Meus passos eram rígidos sobre o chão, e eu conseguia sentir os pingos de chuva gotejar em meu corpo.

Como um vislumbre preso em meus olhos que captam tudo ao redor em câmera lenta, eu vi Canário. Seu corpo alto, sustentado por um fuzil que apertava em seus braços, estava ele, na linha de frente. Canário era mais que um dos meus homens de confiança. Ele era leal, fiel, o tipo de cara que você confia de olhos fechados em qualquer situação. A gente tinha atravessado muita coisa junto, e eu sabia que ele ia estar ali, como sempre esteve. Só que, naquele momento, algo dentro de mim se contorceu. Um aperto no peito, uma falta de ar miserável que me fez gritar seu nome em meio aos tiros.

— Samuel, caralho! — minha voz grossa exacerbou dos meus lábios, atravessando seus ouvidos.

Estávamos há algumas horas, com a invasão do Loiro sendo erguida entre os nossos. Os seus subiam, mas na trocação, eles não aguentavam. Perdiam, caiam com seus corpos e pesavam meus tímpanos com o barulho do choque das suas estruturas caindo sobre o chão ensopado de sangue, sangue deles, não muito, dos nossos. A comunidade estava sendo consumida lentamente pela destruição que cada guerra trás para ela.

Em um espasmo, deixando meus pensamentos evaporarem, preenchi minhas vistas com o peito de Canário, que explodiu para frente, de repente, seus olhos vibraram em direção a silhueta que saía do beco, enquanto apontava o fuzil na sua direção. Senti meu cérebro rodopiar, filmando a situação quando meus ombros endureceram e os tiros foram ecoados da minha arma, impedindo-o de matar o meu irmão, alvejando sua cabeça. Instantaneamente pairando sangue pelo ar, ao mesmo tempo que os projéteis perfuraram seus ombros e peitoral. O ruído das suas costas batendo sobre o calçamento invadiu meus tímpanos como um sussurro pertinente.

Não estava tudo acabado.

Como uma mão puxando meu pescoço em sua direção, cobri meus olhos no rumo contrário, sentindo o peso do mundo ao meu redor se desacelerar. Os tiros que ecoavam pela favela, os gritos distantes, o som das balas cortando o espaço — tudo ficou em segundo plano. Meus olhos estavam fixos nele. Por baixo do céu escurecido que derramava gotas de chuva, começando a ficarem grossas, permeado por uma escuridão intensa, o barulho do tiro que veio do alto foi abafado pelo silêncio que se formou em meus ouvidos, mas, na minha mente, era um trovão, reverberando nos meus ossos e dilacerando a carne do meu peito. Tudo parou quando vi o corpo dele ser atingido. O impacto foi brutal. O sangue jorrou, misturando-se ao chão encharcado de chuva e lama. O sangue dele, aquele sangue maldito, se espalhou rápido, tingindo o barro que já estava manchado de outros corpos. Aquele sangue era diferente. Era o sangue do meu irmão, caralho.

Eu não consegui mantê-lo vivo.

Canário balançou para trás como se o mundo tivesse desabado sobre ele e suas forças tivessem acabado. Suas esferas avermelhadas se encontraram com os meus olhos por uma fração de segundo, segundo que eu sabia o que ele estava pensando, sabia que ele não ia sair daquela. Meu grito ecoou pela favela, um grito de fúria, de impotência, de ódio. Mas não havia nada que eu pudesse fazer. O corpo de Canário caiu pesado no chão, e o som da sua queda foi abafado pelos tiros que continuavam explodindo ao nosso redor.

O meu irmão foi alvejado diante dos meus olhos.

Eu sentia o ódio subindo do meu estômago, queimando meu peito, consumindo cada pensamento racional que eu pudesse ter. Não era só raiva; era um ódio profundo, primitivo, o tipo de sentimento que cega. Meu peito subia e descia com respirações curtas e rápidas. A adrenalina me empurrava, e o calor que subia pela minha espinha era quase insuportável. O sangue dele estava na minha mente, o cheiro metálico dele já me tomava as narinas. Cada gota que manchava aquele chão era uma punhalada em mim.

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