Observei o sangue escorrer do meu corpo, se diluindo na água ao atingir a louça da banheira. Aquilo não me incomodava. Eu diria que minha sanidade estava indo pelo ralo junto com aquele sangue se eu já não a tivesse perdido a muito tempo. Eu tentei, de verdade. Desde que saí do orfanato jurei que tentaria ser uma pessoa normal, e consegui disfarçar por cinco anos... Mas agora eu não precisava mais. A única pessoa próxima era um serial killer sem coração, então tanto faz.
— Para de ficar olhando a água cair, se limpa direito. – Não respondi, nem por palavras ou por ações. Ele bufou. – Sério? Você já quebrou, é isso? – Seus dedos tocaram meu cabelo, esfregando a raiz. – Não sei o que me irrita mais, se é quando você tá resmungando ou quando se finge de morto... Ao menos, com isso aqui eu já to acostumado a lidar.
— Você dá banho em todo cara que mata?
— Olha só, você não tá catatônico. Ótimo, então trate de se lavar sozinho.
— Não quero.
— Dá um tempo, eu tenho que ir limpar aquela sujeira lá embaixo.
— Vai me deixar aqui? Eu vou dar um jeito de fugir.
— Mas que saco, viu... – Ele se sentou na privada, olhando pra mim. – Vai logo, termina isso. – Não o fiz, apenas abracei meus joelhos e deixei a água atingir minha nuca. – Ok, o que você quer?
— Me dá meu celular.
— Pra você ligar pra polícia?
— Não, vou postar uma foto no insta com a hashtag "sequestrado". – Ele riu, baixinho.
— Aí está, voltando ao normal.
— Que foi, tava preocupado comigo?
— Não.
— Então por que se importa se eu pareço "normal" ou não?
— Não me importo.
— Até parece... Mas é tudo mentira. Eu aprendi a ser assim mas não é quem sou de verdade.
— Já disse que não to nem aí. Acaba logo seu banho.
— Me dá o celular.
— Não.
— Pelo menos me mostra a foto que você tirou.
— Por que quer vê-la?
— Preciso saber se fiquei bem antes de você mandar pro meu ex.
— Eu já mandei.
— E o que ele disse?
— Não sei, ainda não vi.
— Pode me contar? – Ele suspirou, mas pegou meu celular em seu bolso, usando a própria digital pra desbloquear.
— Como você...?
— Usei a sua na primeira vez que te matei, então troquei. Foi fácil.
— Oh. E aí, o que ele disse?
— Ele te bloqueou.
— O que?! Que merda você falou pra ele?
— Nada, eu só enviei as fotos.
— Mentiroso! Deixa eu ver! – Saí da banheira e tentei pegar o celular mas ele me segurou pelo pescoço, me empurrando de volta. Porra, por que ele era tão forte?
— Fica aí dentro, você vai manchar o chão. Limpar rejunte é um saco.
— Isso é problema seu, não meu! Me dá meu celular!
— Eu disse que não!
— Eu vou te morder!
— Tenta, eu te mato antes de você conseguir.
— Então mata logo, não to nem aí!
— Porra, você é chato pra caralho! – Ele tirou a mão do meu pescoço e pegou a tampa do ralo da banheira. – Abaixa o tom de voz ou eu te afogo.
— Por que, pra ninguém me ouvir lá de fora? – Falei ainda mais alto. – Então eu vou gritar! Socor- – Ele me impediu, cobrindo minha boca com uma toalha.
— Tá bom, eu mostro! Mas depois você vai ter que se limpar! – Rosnei, tendo minha voz abafada pelo pano. Eu juro, se não fosse a toalha eu o teria mordido... Mas é claro, ele sabia disso.
Ao menos ele aproximou o celular do meu rosto, e eu consegui ver as fotos horríveis que havia tirado. Uma pra cada vez que eu morri e mais uma de quando eu terminei de comer o cara que ele matou. Ah merda, aquele era mesmo eu...? Meus olhos brilhavam como de um cachorro, eu parecia um monstro! E meu corpo também, não havia percebido que estava tão magro, parecia que eu tinha passado fome por mais de um mês, mesmo com a barriga inchada pelo tanto que eu havia acabado de comer... E aquilo foi mais chocante do que não ter recebido nenhuma resposta do meu ex.
— Agora vai se limpar. – Falou, tirando a toalha do meu rosto. – Que droga, vou ter que queimar isso também. Você sujou de sangue.
— Você excluiu as respostas. – Falei, levando minha mão ao cabelo para lavá-lo.
— Não excluí nada.
— Tenho certeza disso, Grayson terminou comigo mas eu sei que ele se importava. Ou isso, ou ele tá seguindo instruções da polícia.
— Acho que não.
— Você não pode provar o contrário.
— Ok, fica aí acreditando nessa fantasia. Porém... – Ele me mostrou o celular novamente, me deixando ler a mensagem de um dos amigos do meu ex: "Elliot, para de mandar esse tipo de foto pro Grayson. Que coisa horrível."; e mudou pra outro; "Mano, você é um bosta mesmo. Isso é IA?"; e outro; "Eu sabia que tinha algo ruim por trás dessa sua cara de santo, mas não achei que seria tão tóxico a ponto de mandar aquilo. Você é péssimo."
— Mas... – Eu fiquei chocado. Não acredito que era isso que eles pensavam de mim, por que ninguém percebeu que aquelas fotos eram reais?! Mesmo que eu estivesse vivo em uma delas, podiam ter sido enviadas fora de ordem. Será que eles eram tão burros assim?! – Mas que porra! Eles nem ligam...! Por que estão falando assim comigo, como se eu fosse culpado? Eu me dediquei a esse relacionamento, fui fiel a ele por três anos!
— Três anos...? – Owen perguntou, parecendo tão chocado quanto eu.
— Sim, seu desgraçado! Ele era tão ciumento, eu tive que me afastar dos meus amigos pra ele não ficar com raiva toda vez que eu falava sobre eles. Alguns até se afastaram por conta própria, eu nem sei o que ele pode ter dito pra eles mas deve ter sido algo horrível...! – Bufei, esfregando vigorosamente meu couro cabeludo. Então parei, percebendo uma coisa. – Ah, mas aquele filho da puta não foi fiel! Ele me passou uma DST, e é por isso que eu tô aqui agora! – Agarrei meu cabelo, tão forte que senti alguns fios arrebentando. – Eu vou matar ele! Se um dia eu tiver chance de encontrá-lo, irei matar aquele desgraçado e comê-lo!
— Ok, mas abaixa o tom de voz.
— Cala a porra da sua boca, ou eu te mato também! – Não sei que tipo de expressão eu tinha no rosto, mas deve ter sido assustadora o suficiente para fazê-lo recuar. Mas de repente, fui tirado do meu acesso de raiva com o som do toque de seu celular, aquele específico que sempre o fazia parar o trabalho e sair.
— Merda...! – Abaixei minhas mãos, observando os vários fios que havia arrancado. Será que um dia já senti tanta raiva? – Fica aí. – Olhei pra ele, confuso. – Não saia do banheiro, eu vou estar lá fora e saberei se tentar fugir.
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Sawdust
HorrorApós afogar as mágoas na bebida por conta do término de seu namoro, Elliot Taylor acorda nu em uma oficina de marcenaria. Ele tenta lembrar o que aconteceu e, ao conhecer o belíssimo marceneiro, tira a conclusão de que dormiu com ele na noite anteri...