Eu não conseguia parar de pensar naquela pergunta. Aquilo que mais me incomoda… O que seria? Acho que nada… Mas também, praticamente tudo. O que exatamente essa pergunta significava, será que eu conseguiria responder? O que me incomodava naquele momento?
Fome. Eu estava com tanta fome, não conseguia pensar em outra coisa.
Jeff me levou a uma barbearia logo após a consulta. Meu cabelo estava sem corte e eu também não havia feito a barba desde o dia em que fui sequestrado, então ela havia crescido bastante. Quando me olhei no espelho, antes do barbeiro começar seu trabalho, percebi que eu estava parecendo um pouco com… O meu pai? Era assim que ele se parecia? Não sei, faz tanto tempo e a única foto que eu tinha dele e da minha mãe havia ficado no orfanato. Mas aquilo me deixou confortável.
— Pare. – Pedi, assim que o barbeiro pegou a tesoura. – Não quero que corte. – O homem me encarou, confuso. Jeff se levantou e colocou a mão no meu ombro.
— Deixa eu falar com ele. – O barbeiro assentiu, saindo de perto. – Elliot, tem certeza de que não quer cortar?
— Sim.
— Vai melhorar sua autoestima, você precisa disso.
— Mas eu até que fico bem assim, não acha? – Jeff suspirou, mas sorriu.
— Eu jamais pensaria o contrário.
— Agora eu pareço o estereótipo de lixo branco, né? – Ele franziu a testa.
— Você não é lixo. Vamos ao menos fazer sua barba.
— É por isso que não quer me beijar?
— Não, de forma alguma.
— Então irei mantê-la.
— Elliot…
— Eu não quero um estranho me tocando. – Ele logo tirou a mão do meu ombro. – Eu disse "estranho". Por favor, toque em mim.
— Ok, eu entendo. – Ele acariciou minha bochecha. – Vamos embora.
Jeff pegou minha mão e não a largou até chegarmos ao carro. Enquanto ele dirigia, comecei a refletir no que eu havia acabado de fazer. Aquilo foi horrível da minha parte, ele estava se esforçando tanto pra me ajudar mas eu nem consegui deixá-lo cortar meu cabelo. É claro que ele queria que eu ficasse bonito, quem diabos gostaria de ter alguém com cara de traficante ao seu lado?
— Desculpa… – Falei, tentando segurar as lágrimas. – Você teve o trabalho de me levar lá e eu fui muito ingrato.
— Ei, tá tudo bem. – Jeff tirou uma das mãos do volante para acariciar meu ombro. – Eu entendo completamente os seus motivos.
— Mas eu tô tão feio agora!
— Ei, você não é feio e nunca será.
— Eu devia ao menos tê-lo deixado fazer minha barba…
— Eu te ajudo a fazer quando chegarmos em casa, se for o que você realmente quer, ok? – Eu não respondi pois não conseguia parar de soluçar. Continuei chorando, com sua mão tentando me acalmar ao acariciar minha cabeça, até que o carro bateu em algo de repente. – Ah, merda! – Ele freou. – O que foi isso? – O observei sair do carro pra ver o que havia acontecido. – Ai, meu Deus! – Exclamou. Eu estava curioso, mas também nervoso. Foi minha culpa.
— Eu sinto muito! – Falei, saindo do carro. – Por minha culpa, você…!
— Tá tudo bem! – Ele me interrompeu. – É só um cachorro. Volta pro carro, não quero que você veja isso ok? – Ele pediu, mas eu não consegui obedecer. Meus sentidos já estavam inebriados com o cheiro de sangue, e minha barriga roncou. – Quem eu chamo pra resolver isso, a polícia..? – Minhas pernas começaram a se mover enquanto ele pegava o celular dentro do carro, andei até o outro lado e finalmente vi. Ainda respirava, ofegante, enquanto seus órgãos estavam espalhados na rua. Aquele cachorro era consideravelmente grande, seria o suficiente pra me satisfazer por um tempo. – Ei, eu falei pra você não vir aqui! – Jeff segurou meu braço mas eu o puxei, me ajoelhando no chão. – Elliot?! – Eu não hesitei em segurar os intestinos e trazê-los à minha boca. – Elliot, você não tem que fazer isso. – Jeff tentou me tocar novamente, mas eu rosnei e o encarei brevemente.
Pude ver o horror em seus olhos enquanto ele caía pra trás, mas não me importei. Eu só queria comer, era a única coisa que eu conseguia pensar. O gosto não era tão bom quanto o de um humano, mas o sangue quente e a carne fresca certamente faziam a diferença, tanto no sabor quanto na minha satisfação. Dessa vez, eu não apenas comi o conteúdo da barriga como também quebrei as costelas para pegar os pulmões e coração.
Quando voltei a mim, pude ouvir Jeff vomitar. Me levantei para olhá-lo, e ele parecia mais assustado que antes. Meu coração acelerou e, de repente, eu não conseguia mais respirar. Merda, eu estraguei tudo. Então corri. Não fazia ideia de pra onde deveria ir, mas corri pois não conseguiria mais encará-lo. Sabia que ele ia me ver como um monstro e começar a me odiar, assim como todos os outros.
— Elliot, espera! – Ele me alcançou, mas eu ainda tentei escapar. – Não corra, vem aqui! – Seus braços envolveram meu corpo, me segurando o mais forte que podia.
— Me solta!
— Tá tudo bem, eu não vou te machucar. – Falou, com a voz suave, mas isso não ajudava nem um pouco.
— Mas eu vou, se não me soltar!
— Pode tentar escapar, mas não vou te deixar ir. Eu disse que cuidaria de você e pretendo manter a promessa. – Essas palavras me fizeram parar de tentar fugir. Ele havia acabado de ver o monstro que eu era, por que estava sendo tão gentil?
— Eu… – Gaguejei, minha garganta estava apertada e logo comecei a chorar. – Eu não mereço essa gentileza…! – Ele me virou para encará-lo e me abraçou, me deixando chorar em seus ombros.
— Tá tudo bem, eu sei que isso não é culpa sua. – Eu chorei mais um pouco, até ser o suficiente, então me afastei. Por minha causa, Jeff também estava todo sujo de sangue. Ele repousou ambas as mãos sobre as minhas bochechas, mesmo que meu rosto estivesse sujo, e sorriu. – Vamos pra casa.
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Sawdust
KorkuApós afogar as mágoas na bebida por conta do término de seu namoro, Elliot Taylor acorda nu em uma oficina de marcenaria. Ele tenta lembrar o que aconteceu e, ao conhecer o belíssimo marceneiro, tira a conclusão de que dormiu com ele na noite anteri...