Acho que nunca corri tanto na minha vida. Nem mesmo parei pra olhar ao meu redor, apenas notei estar em uma área suburbana. As pessoas me encaravam, surpresas, mas ninguém parecia querer saber o que estava acontecendo. Também não era como se eu tivesse pedido ajuda. Eu só corri, o mais rápido possível e pra mais longe que eu consegui, até que minhas pernas não aguentaram mais e eu caí sobre um gramado.
Olhei para as estrelas no céu, tentando respirar. Fazia tanto tempo desde que eu as havia visto pela última vez. Por cinco anos nem mesmo me importei com elas, o sol e a lua passavam e eu nem olhava para o céu, mas agora... Era lindo. Não chegava a ser tão estrelado quanto, mas me senti de volta ao deserto, sozinho e assustado, tendo perdido tudo aquilo que era importante. Então chorei.
Meu coração se apertava com o sentimento de perda, mesmo que eu tivesse acabado de ganhar minha vida de volta... Mas que vida? O que tinha pra mim ali fora? Será que eu conseguiria começar de novo depois daquilo? Será que eu seria capaz de fingir ser uma pessoa normal novamente? Não, eu acho que não. Não depois disso tudo, de jeito nenhum.
Talvez eu devesse me mudar pra outro lugar, pra uma cidade maior onde seria tão agitado que eu nem teria tempo de pensar, ou talvez pra uma cidade pequena onde fosse menos perigoso... Mas antes de pensar nisso, eu tinha que resolver as coisas aqui primeiro. Onde eu estava? Acho que eu nunca havia passado por ali antes. Ainda era o Texas? Ah sim, ele me devolveu meu celular.
O peguei no meu bolso e a primeira coisa que fiz foi olhar a data. Já era Setembro, por quanto tempo eu estive lá? Três semanas... Peraí, só três semanas? Pareceram meses! O tempo passou tão devagar naquele lugar que eu perdi a noção, mas já que foi tão pouco talvez eu conseguisse reaver a minha vida. Mas primeiro eu tinha que voltar pra casa e... Espera, não. Primeiro eu tinha que ir até a polícia.
Eu não tinha internet, o mapa não estava carregando então perguntei pra alguém onde ficava a delegacia mais próxima. Não era tão longe, por isso andei até lá. Assim que entrei, minhas pernas bambearam. Minha visão ficou turva e eu tentei segurar no objeto mais próximo. Logo depois, abri meus olhos e vi o teto branco, e então o rosto de uma pessoa desconhecida. Meu instinto disse pra eu socá-la e correr, mas assim que vi que era uma mulher com uniforme de enfermeira, relaxei.
- Você está bem? - Ela perguntou, e tentou tocar no meu braço. Eu tremi, então ela decidiu se afastar. - Tá tudo bem, você está seguro.
- Onde é que eu tô?
- Na enfermaria da delegacia.
- Não, onde exatamente eu estou? - Ela me encarou, confusa. - Ainda é o Texas?
- De onde você é?
- Dallas.
- Não estamos muito longe. - Falou, sorrindo. - Você pode chegar lá em uma hora, mas primeiro... Consegue se levantar?
- Sim, acho que sim... - Tentei me levantar da maca, minhas pernas ainda estavam fracas mas eu consegui ficar de pé.
- Ótimo. Então vamos falar com alguém que possa te ajudar.
Enquanto ela me direcionava pelo corredor, comecei a pensar sobre o que eu deveria dizer. Ok, eu fui sequestrado e morto... Espera, será que acreditariam nisso? Bem, era a polícia. Se os militares sabiam da existência de gente como eu... Não, eu não podia dizer isso. Eles iriam querer me manter sob custódia e fazer experimentos, dessa forma era melhor eu voltar praquele lugar. Era melhor eu omitir isso e... E o que? Eu deveria dizer que comi uma pessoa? Deveria dizer que transei com o meu sequestrador? Será que acreditariam em mim? E se acreditassem, o que aconteceria com ele? Estando no Texas, a sentença seria...
- Ei, moça. - Parei, pouco antes dela abrir a porta. - Acho que não tenho nada a falar.
- Tem certeza?
- Sim. Sinto muito.
- Sabe que pode contar com a gente, certo? Vamos te proteger de quem quer que tenha te ferido.
- Ninguém me feriu. - Ri, tentando disfarçar. - Eu só fiquei muito bêbado noite passada, desculpe incomodar.
- Tem certeza?
- Sim, sendo sincero... Não quero problemas, sabe? - Sussurrei. - Por favor, não conte a ninguém mas é que eu usei algumas drogas. - Ela me encarou, então suspirou.
- Certo. Se não quer dizer o que aconteceu, então não tem nada que possamos fazer. Irei chamar um táxi pra que você possa chegar em segurança. Mas tome cuidado na cidade a essa hora da noite, ultimamente alguns rapazes como você tem desaparecido. Se souber de algo, por favor, denuncie.
Eu sabia exatamente sobre o que ela estava falando, mas não consegui. Não sei por que, eu não queria que ele recebesse a pena de morte, que eu sabia ser seu destino. Ele estava arrependido, mesmo que o que ele tenha feito seja tão horrível, ele merecia uma segunda chance... Certo? Era só o que eu conseguia pensar enquanto meu coração parecia estar sendo esmagado em meu peito. Esperei pelo táxi do lado de fora pois não aguentei ficar lá dentro, com os policiais me encarando, esperando que eu revelasse o nome do serial killer a quem eles procuravam.
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Sawdust
HorrorApós afogar as mágoas na bebida por conta do término de seu namoro, Elliot Taylor acorda nu em uma oficina de marcenaria. Ele tenta lembrar o que aconteceu e, ao conhecer o belíssimo marceneiro, tira a conclusão de que dormiu com ele na noite anteri...