Sawdust

15 - Crise

— Você tá magro demais. – Jeff enfatizou, segurando meu pulso. – Aposto que não tem comido direito.

— Pra falar a verdade, eu tô com fome…

— Ok, vou pedir algo pra você comer.

— Não precisa, já tá tarde. Eu me viro com o que tiver na geladeira.

— Não, eu peço. O que vai querer?

— Não precisa fazer isso, sério. – Na verdade, eu deveria aceitar. Minha fome estava ficando cada vez mais forte, e aquilo era perigoso pois significava que eu poderia atacá-lo, mas… Será que eu podia comer comida normal? Pedir carne crua seria estranho, né?

— Vou pedir uma pizza, sei que você gosta.

— Uh… Tudo bem. – Fazia tanto tempo desde a última vez em que eu havia comido uma pizza que eu até fiquei um pouco animado. Mesmo antes de ser sequestrado, Grayson havia me proibido, mas agora que eu estava magro até demais acho que não teria problema em comer ao menos uma fatia, né?

— Tem um lugar novo, a pizza é muito boa! Você precisa provar.

— Ok. Posso tomar um banho enquanto isso?

— Claro. Precisa de roupa emprestada?

— Sim.

— Vou deixar na porta.

Eu não pedi pra ir tomar banho apenas para evitar uma conversa, eu estava me sentindo sujo. Transpirei bastante com a corrida que fiz mais cedo, claro, mas não era só isso. Tudo o que havia acontecido durante as últimas semanas me tornou sujo da forma mais profunda, como se tivesse penetrado a minha pele e manchado até meus ossos. Eu fui morto e torturado, fui forçado a comer uma pessoa e gostei, e queria fazer de novo. Transei com o cara que fez tudo isso comigo, e foi incrível. E de alguma forma eu não conseguia odiá-lo. Eu não seria capaz de denunciar, não queria que ele morresse.

Me senti a pessoa mais suja do mundo, por isso esfreguei minha pele, arranhando até ficar vermelha e continuando enquanto minhas unhas faziam meu sangue escorrer. Mas as feridas logo cicatrizavam, o sangue nem mesmo chegava a pingar no chão. Por que alguém como eu teria imortalidade? Será que era o plano de Deus? Ele estava me punindo? Eu precisava ser punido.

Estava tão envolto pela dor em meu peito, pelos pensamentos ensurdecedores de indignidade que ressoavam em minha mente, que não prestei atenção ao que estava acontecendo à minha volta. Não reparei que estava puxando e arrancando meu próprio cabelo ao invés de lavá-lo, até que o vulto de uma pessoa parou na minha frente e sua voz atingiu meus ouvidos, mesmo que eu não fosse capaz de compreender o que dizia. Ele tocou meu braço, e tudo desmoronou.

Finalmente senti que conseguia respirar, mesmo que eu mal fosse capaz de levar o ar aos meus pulmões. Minha visão deixou de ficar turva e pude finalmente ver a pessoa à minha frente.

— Elliot, está tudo bem. – Ouvi a voz de Jeff. – Você está seguro, estou aqui contigo. – Quando ouvi aquelas palavras meu corpo todo relaxou. Minhas pernas bambearam, e ele teve que me segurar pra não me deixar cair. Ele estava ali comigo. Alguém estava ali por mim, sim. Mas…

— Não me toque. – Murmurei. – Estou sujo.

— Não me importo, eu te ajudo a se limpar.

— Não.

— Eu não vou te tocar onde você não permitir, apenas-

— Não é o que eu quis dizer! Mesmo que você me lave com toda a água e sabão do mundo, não vai conseguir limpar a sujeira dentro de mim! – Ele me abraçou mais forte, então levou a mão ao meu rosto pra me fazer olhar para ele.

— Você não é sujo. – Eu não conseguia acreditar naquelas palavras, apenas não tive coragem de dizer nada diante daquele olhar gentil. – Vamos terminar esse banho.

Eu só conseguia chorar enquanto ele me banhava. Aquela situação me lembrou de quando eu e o Grayson estávamos nos conhecendo, como ele agiu ao presenciar uma crise similar a essa. Ele cuidou de mim, assim como Jeff estava fazendo, e aquilo era tudo o que eu precisava no momento. Alguém que cuidasse de mim.

A pizza chegou logo depois dele terminar de me vestir, eu comi a caixa inteira sozinho mas não foi suficiente. Ainda estava com fome.