Jeff me deixou ficar no quarto de hóspedes, mas eu estava com tanta fome que não conseguia dormir. Não tinha nada na geladeira que pudesse me ajudar. Já que eu podia acessar o wi-fi, esperei até ter certeza de que ele não estaria acordado pra pedir um pouco de carne crua por aplicativo. Foi difícil achar um lugar que estivesse aberto, o único era caro pra caramba mas eu não podia arriscar. Se eu ficasse com fome demais, acabaria atacando a quem não deveria.
Foi bom ainda poder usar meu cartão de crédito pra compras online, e aproveitei a chance pra pagar a conta do meu celular pra eu poder usá-lo na rua. Agora que eu estava online, fiquei tentado a responder todo mundo que havia me xingado. Mas o que eu iria dizer? Mesmo que contasse a verdade, não acreditariam em mim. Grayson me pintou como o problemático da relação... Mas o Jeff não me via assim, e agora ele era o único com quem eu podia contar. Por quanto tempo? E se eu dissesse a verdade? Tenho certeza de que ele passaria a me odiar.
A carne foi suficiente... Por enquanto. Eu ainda sentia a necessidade de comer alguma coisa mas não era mais tão forte, dava pra aguentar por um tempo. Só não tinha certeza se aquilo era fome ou compulsão, se era a doença ou se eu apenas estava perdendo todo o progresso que fiz nos últimos anos. Lembra que eu disse que passei a comer muito depois de deixar o Arizona, né? Mas também, será que eu não tinha o direito de querer algum conforto depois de tudo o que eu passei? Comer era muito confortável... Mas a voz do Grayson ecoava na minha cabeça, dizendo que eu não devia.
Eu não conseguia dormir, então me deitei no sofá pra assistir TV enquanto mordiscava os dedos, mastigando a carne até sentir o gosto de sangue, e então passando para outro enquanto o anterior se curava. Ah, é mesmo! Eu estava assistindo uma série, mas não terminei! Eu deveria ver pra passar o tempo!
De início, fazer isso me fez sentir como se a vida estivesse voltando ao normal. Aquilo era reconfortante, mas então... Eu reparei que as piadas não eram mais engraçadas, o romance entre os protagonistas era entediante e a história não me despertava interesse algum. Eu amava aquela série, o que aconteceu? Será que foi a minha cabeça que mudou? Será que aquela série só fazia sentido pra gente normal...?
Ao menos o tédio me fez adormecer. Quando acordei no dia seguinte, reparei que havia um cobertor sobre mim. Eu não lembrava de ter pego um, só podia ter sido o Jeff. Eu também conseguia sentir o cheiro de comida vindo da cozinha, então me levantei pra ver o que era. A pessoa que estava na cozinha não era o Jeff, mas uma mulher que eu não conhecia.
- Oi... - Falei, e ela quase deixou a faca que segurava cair no chão.
- Ai, meu Deus! - Gritou. - Que susto.
- Desculpa. Cadê o Jeff?
- No escritório, trabalhando. É quase hora do almoço, ele deve sair daqui a pouco.
- Almoço? - Eu dormi tanto assim? Apesar de que eu fiquei acordado até tarde, né. - Por isso que eu tô com fome.
- Senhor Steward disse que você deveria comer assim que acordasse, mas o almoço já tá quase pronto, só preciso fritar o bife.
- Tudo bem, eu espero. Mas será que você pode deixar a minha carne crua, por favor? - Pedi em um sussurro, com medo da reação dela.
- Crua?! - Exclamou, franzindo a testa. Merda, eu não devia ter pedido aquilo. Ela deve pensar que eu sou doido. - Quis dizer mal passada?
- Não, eu- - Gaguejei. Eu estava consciente do quão estranho aquilo era. - É uma dieta que eu tô seguindo.
- Por isso está tão magro! Você não pode comer carne crua, vai acabar pegando uma doença!
- Desculpa. - Ela não ia entender, ninguém iria. Eu corri de volta pra sala e me joguei no sofá, cobrindo o meu corpo inteiro com o cobertor.
O que eu deveria fazer? Comida normal não iria ajudar com a minha fome, mas eu também não podia deixar as pessoas perceberem que eu não era mais humano. Será que eu deveria continuar comprando carne e comendo sem ninguém perto? Mas então eu tinha que achar um emprego logo, porque meu dinheiro não ia durar. Mas eu não queria fazer nada no momento, eu não acho que seria capaz de lidar com entrevistas de emprego nem nada disso, só que eu também não podia ficar dependendo do Jeff por muito tempo, ou ele iria começar a me ver como um peso. Honestamente, acho que ele já me via assim...
- Ei. - Enquanto eu estava perdido em meus pensamentos, não notei sua presença. Ele colocou a mão nas minhas costas e eu estremeci, então ele a tirou. Mas eu queria que ele me tocasse, então me descobri e o abracei. - O que você tem? - Ele se sentou ao meu lado, me abraçando de volta.
- Eu sinto muito.
- Por quê?
- Eu não deveria ter aparecido de repente, já estou te trazendo problemas. Você não tem obrigação nenhuma de cuidar de mim, e eu não quero ser um peso.
- Como espera que eu acredite que não quer que eu cuide de você enquanto me abraça desse jeito? - O empurrei assim que ele disse isso.
- Tem razão, desculpa.
- Não foi o que eu quis dizer. - Jeff repousou ambas as mãos nas minhas bochechas, me fazendo encará-lo. Sua testa tocou a minha, e ele suspirou antes de falar. - Eu gosto de você, Elliot, de verdade. Te ver assim faz com que eu me sinta mal por ter deixado aquele babaca nos afastar, porque eu tenho certeza de que isso é tudo culpa dele então, por favor, me deixe ficar ao seu lado.
- Você gosta de mim...? - Ah porra, eu nunca havia notado. Será que foi por isso que ele e Grayson brigaram? Foi por minha causa? Isso é tão... Terrível. E também, incrível. - Ah, nossa... Desculpe, eu não sei o que pensar.
- Você não precisa pensar em nada agora, apenas descanse e fique melhor do que quer que tenha acontecido com você que te deixou assim. Eu vou te ajudar, te escutarei quando estiver pronto pra falar sobre isso, mas pode levar o tempo que quiser ok?
- Ok... - As lágrimas escorreram pelo meu rosto e ele me abraçou novamente. Eu me aconcheguei em seus braços, soluçando. Ninguém havia me tratado tão bem antes. Literalmente, ninguém. Nem mesmo o Grayson.
A empregada acabou preparando a carne da forma que eu pedi então, mesmo que eu ainda continuasse com fome, não estava ao ponto de ser um risco para os outros. Jeff voltou ao trabalho e eu continuei na sala, tentando achar um filme que pudesse me entreter. Acabei assistindo um filme de terror, que era o último gênero que eu normalmente escolheria. Eu tinha muito medo desse tipo de filme antes, mas agora parecia... Bobo. Até mesmo engraçado.
- Achei que não gostasse de terror. - Jeff disse, me surpreendendo com a sua chegada.
- Eu percebi que é estúpido. Já acabou o trabalho?
- Sim.
- Home office deve ser ótimo...
- É meio chato quando você fica sozinho o tempo todo... Mas agora eu tenho você aqui. - Ele se sentou ao meu lado e eu me aproximei lentamente, envergonhado, então ele me puxou pra perto. Ficamos assim até o filme acabar, e ele acariciou meu cabelo. - Você está melhor agora? O filme não te deu medo?
- Não, não deu. Como eu disse, foi meio estúpido.
- Ótimo. Posso ver as notícias?
- Claro, a TV é sua. - Entreguei o controle a ele. - Mas peraí, você ficou com medo?
- Só um pouquinho. - Eu ri. - O que? O fantasma era assustador.
- Não, ele era muito mal feito...
- Ei, eu lembro que você ficava chorando quando a gente assistia filme de terror!
- Acho que eu tava fingindo.
- Fingindo...? - Ele perguntou, confuso, mas eu não respondi. Não consegui, não após ouvir a notícia que estava passando na TV.
- E agora, mais informações sobre o caso do serial killer que vinha atormentando a comunidade LGBTQIA+ de Dallas.
----
Pessoal, espero que tenham gostado do capítulo! Só vim informar, pra quem não viu, que vocês podem ficar sabendo mais sobre a história, ver memes e atualizações pelo X, link no meu perfil!
VOCÊ ESTÁ LENDO
Sawdust
HorrorApós afogar as mágoas na bebida por conta do término de seu namoro, Elliot Taylor acorda nu em uma oficina de marcenaria. Ele tenta lembrar o que aconteceu e, ao conhecer o belíssimo marceneiro, tira a conclusão de que dormiu com ele na noite anteri...