Owen já estava lá, amarrado à maca. Ele não havia mudado muito desde a última vez que o vi, seu cabelo e barba ainda estavam raspados, mas agora estava vestido de branco. Ainda muito bonito. Mesmo após todo aquele tempo, vê-lo inevitavelmente fez meu coração bater mais forte, e minha mente caminhava por uma mistura confusa de dolorosa agonia e um desejo ardente. Eu havia aprendido a controlar esses sentimentos com exercícios respiratórios e oração, mas agora essa era uma tarefa muito difícil.
Eu queria quebrar aquele vidro e tirá-lo de lá para fugirmos juntos, mesmo se eu tivesse que matar todos naquela sala... Mas eu também queria que ele recebesse aquela injeção de uma vez por todas, para que eu finalmente me libertasse do medo de estar de volta em suas mãos, mesmo que eu não visse a morte como uma punição justa para ninguém. Jesus jamais aprovaria.
Não conseguia tirar meus olhos dele, então vi quando ele virou a cabeça e me olhou. Seus olhos se abriram levemente, as microexpressões que eu ainda era capaz de identificar mostravam que ele estava surpreso em me ver. Então, ele notavelmente sorriu, um sorriso tão... Suave. Será que eu estava imaginando? Ele realmente parecia não ter malícia nos olhos, mas eu poderia estar alucinando, como de costume. Apesar de que eu havia tomado duas doses do meu remédio.
Um dos executores finalmente ligou o microfone que estava pendurado no meio da sala, e pudemos ouvir o que acontecia lá dentro. Os barulhos que faziam ao preparar a droga, e até mesmo seus passos, tudo aumentava a tensão daquele momento. Mas Owen estava quieto.
- Gostaria de dizer suas últimas palavras? - O executor finalmente perguntou, e meu coração apertou. Mas já...? Eu queria olhar pra ele um pouco mais. Porém, acho que isso deveria terminar o mais rápido possível.
- Hm... Sim. Eu não ia falar nada, mas... Eu não esperava ver o que estou vendo. Não sei nem o que pensar... Você não tá sofrendo lavagem cerebral, né? - Ele tava falando comigo...? Bem, ele não tirava os olhos de mim. - Quero dizer, você tá vivendo uma vida boa? Vejo que está se alimentando bem e... Não me leve a mal, você tá ainda mais bonito. - Bonito...? - Eu só vou ficar puto se descobrir que você tá sofrendo lavagem cerebral ou algo do tipo. Afinal, porra, você não é um padre e eu sei bem disso. Não ceda àqueles que te machucaram, você é um guerreiro e é por isso que eu te respeito tanto. - É, ele realmente tava falando de mim. Mesmo que eu ainda não fosse padre, minhas vestimentas não eram muito diferentes, então elas devem confundir as pessoas. Mas eu não entendo, por que ele estava preocupado comigo?
- Eu tô bem. - Falei, devagar. Mesmo sabendo que ele não poderia me ouvir, acho que conseguiria ao menos ler meus lábios. - Foi escolha minha.
- Ótimo, então valeu a pena ferir seus sentimentos. - O que... Do que ele estava falando? - Sentimentos são complicados. Sabe, eu tive tempo o suficiente pra ler vários livros, e eles me ajudaram a entender algumas coisas sobre mim mesmo. Durante a minha vida, havia alguns sentimentos que eu via as pessoas expressarem, mas que eu não entendia bem, tipo... Eu sabia o que era ficar animado, mas não feliz. Sabia o que era raiva, mas nunca senti desespero ou inveja. Apenas uma vez eu senti tristeza ao invés de um incômodo temporário, e você sabe quando foi, pois você estava lá. - Quando? Após a morte da mãe dele? Mas ele disse que havia fingido... - Eu posso tomar um susto, mas nunca fiquei ansioso. Sentir medo de verdade é bem difícil de acontecer, e eu acabo usando isso pra sentir a adrenalina. Mesmo agora, eu não tô com medo. Já senti paixão temporária, mas nunca soube o que era amor. Nunca senti aquelas borboletas no estômago, e meu coração nunca bateu mais forte por ninguém. Nem a minha mãe eu amei, você sabe que eu tinha medo dela. Mas... Eu passei todos esses anos pensando em você, e boa parte dessas memórias me faziam sorrir, mesmo aquelas em que você era um pé no saco. - Peraí, o que ele tava tentando dizer...? - Acho que...Cada parte de você é interessante, e agora que eu estou mais calmo eu acho que adoraria ter tido a chance de ouvir tudo o que você quisesse me contar. Você mexeu com coisas em mim que eu não queria mexer, mas foi isso que me ajudou a sair daquela espiral de impulsividade que o câncer da minha mãe me causou. Eu quero te beijar de novo, quero te ter nos meus braços... Mas não posso mais. Porque você é um padre agora, né? - Ele riu, e virou a cabeça pra cima, olhando para o teto. Mas eu pude jurar que vi uma lágrima se formar no canto de seus olhos... - E eu vou morrer agora, mas não tem problema. É pro seu bem, você vai ficar melhor sem mim. Com os livros, eu entendi que o amor também pode existir sem ser sentido, porque não é sobre borboletas no estômago. - O que ele tá tentando dizer...? Que ele... Ele me... Não. - Queria que tivesse sido diferente. Me perdoe, Elliot, por tudo o que eu fiz com você. - Não, não faça isso comigo. - Por favor, continue seguindo em frente. - Não! - Eu estou pronto agora.
- Parem! - Pedi, já me derramando em lágrimas. Mas eles não podiam me ouvir. O conteúdo da primeira seringa foi injetado em seu braço enquanto eu gritava, apertando o tecido sobre o meu peito pois sentia meu coração prestes a explodir. Doía tanto ver o amor da minha vida sendo tirado de mim pra sempre!
- Elliot, me escuta. - Julia chamou, segurando a minha mão. - Vamos orar, ok? Lembra do que combinamos, que iríamos orar? - Eu mal podia olhar pra ela, quanto menos orar, mas ela percebeu e decidiu apenas me abraçar e sussurrar em meu ouvido. Repetiu o Salmo 23, várias e várias vezes, até as cortinas se fecharem.

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Sawdust
HorrorApós afogar as mágoas na bebida por conta do término de seu namoro, Elliot Taylor acorda nu em uma oficina de marcenaria. Ele tenta lembrar o que aconteceu e, ao conhecer o belíssimo marceneiro, tira a conclusão de que dormiu com ele na noite anteri...