47 - Destino

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Ela me encarou, chocada. Bem, qualquer um teria essa reação se alguém dissesse de repente que essa pessoa estava com câncer. Eu deveria ter escolhido melhor minhas palavras.

— Desculpa, eu não deveria ter falado dessa forma. E é só um palpite, então eu posso estar errado. É que a mãe do Owen tinha esse cheiro horrível e- – Ela franziu a testa. Ah não, Elliot, cala a boca. Você só tá piorando as coisas. – Aliás, eu não quis dizer que você cheira mal, mas… Bem, é que tá ficando mais forte com o tempo.

— Elliot… – Pude ver em seu rosto o quanto ela estava irritada.

— Não acho que as pessoas consigam sentir, é só que meu olfato ficou mais apurado e-

— Elliot, para de falar por um instante! – Ela colocou a mão sobre a minha boca novamente, dessa vez sem bater. – Ajeite sua postura, pare de gesticular e mude seu tom de voz. – Ah, eu não percebi que estava sendo afeminado.

— Desculpe. – Engrossei minha voz, assim como ela pediu. – Mas sobre isso…

— Eu já sei.

— Hã? – O que…?

— Descobri quando você estava internado.

— Quando eu estava… Peraí! Já faz quase quatro anos, por que escondeu isso de mim?

— Dá pra escutar a história toda primeiro?

— Preciso de uma boa explicação!

— Você vai entender. Naquela época, tive que remover meu seio esquerdo.

— Mas… Não parece que você removeu.

— Você não é o único a não saber, eu uso uma prótese. Enfim, removi o seio esquerdo e fiquei bem por dois anos, por isso não te falei, mas… Alguns nódulos apareceram no meu seio direito. – E mesmo assim, ela não me falou… Não, eu não posso dizer esse tipo de coisa. Não num momento como esse, ela deve ter seus motivos.

— Você o removeu também?

— Sim, mas agora começou a espalhar pra outras partes do meu peito. Estou tratando e só posso rezar para que, se for da vontade de Deus, eu melhore logo.

— Irei orar por você também, Irmã. Ou melhor… – Encarei minhas mãos, pensando. Meu sangue pode reverter qualquer doença, desfazer qualquer cicatriz. E se isso for mesmo uma benção? – Irmã Janice, eu posso te curar.

— Não.

— Mas…

— Sem mas, eu não quero.

— Me escuta! Você mesma disse, isso é uma benção que Deus me deu! Com o meu sangue eu posso operar milagres, posso te curar!

— Elliot, eu… – Ela juntou as sobrancelhas e parou de falar. Sua boca se abriu uma ou duas vezes, mas não disse nada por um longo tempo… O que será que ela queria falar mas não podia? Era algo que eu deveria saber? – Eu não quero isso. Você sabe que existe uma razão para tudo, e se for da vontade de Deus eu serei curada pela medicina. Mas se não for, nem mesmo seu sangue irá me manter viva. – É, eu lembro do Owen ter dito que as chances de ser infectado eram baixas.

— Então qual o sentido de receber essa bênção se não posso te salvar?

— Elliot, eu não estou morrendo. Acabei de começar a quimioterapia, e tenho chances de me recuperar.

— Então eu quero te ajudar. Vem morar comigo, me deixa cuidar de você enquanto estiver em tratamento.

— Jesus, você é tão teimoso… Tem um monte de freiras pra cuidar de mim no orfanato.

— Mas… Mas eu sou seu filho! – Seus olhos arregalaram e sua expressão mudou. Eu nunca tinha visto aquela cara antes, tão espantada, mas também… Sei lá, emocionada? – Você é minha mãe então, por favor, me deixe cuidar de você.

— Isso… Eu… – Ela virou o rosto e o esfregou, fungando. Ela tava chorando? Eu nunca, e digo isso sem exagerar, a vi chorar. – Ok, se é o que deseja… Mas só se eu realmente precisar, por enquanto eu consigo cuidar de mim mesma.

— Claro.

— Mas você vai ter que respeitar minha vontade e não vai me infectar. Jure por Deus.

— Eu juro por Deus. Mas ainda não entendo, se meu sangue é abençoado eu deveria poder salvá-la.

— Não, Elliot, você não está enxergando as coisas de forma clara. É pelo seu sangue ser abençoado que seu nariz é capaz de sentir o cheiro de uma das piores doenças conhecidas pela humanidade. Isso significa que você pode ajudar as pessoas a descobrir antes que seja tarde demais. – Ela tem razão, eu tinha sentido aquele cheiro antes mesmo dela saber. Talvez, se eu não tivesse esquecido o que aquilo significava, ela não teria retirado os seios. Mas eu ainda posso devolvê-los a ela.

— Mesmo que seja tarde, eu posso salvar as pessoas.

— Elliot, me escuta! – Ela gritou agora, se levantando para ficar de frente a mim, e sua expressão era severa. Eu ajeitei minha postura e encarei meus joelhos, como costumava fazer quando ela realmente estava falando sério. – Você não pode, e ponto final! Primeiro, porque eu não quero. Segundo, é um crime infectar alguém tendo conhecimento disso, e você não é réu primário. E por último, a Igreja não vai permitir. Você não pode nem pensar em distribuir essa benção pra ninguém, porque você não sabe quem realmente são as pessoas que você tentar salvar, ou se elas irão compartilhar com outros! Você sabe muito bem que há muita gente ruim no mundo, e não ia querer que essas pessoas fossem imortais, então você não deve compartilhar seu sangue com ninguém, jamais!

— Então está me dizendo que eu posso dar um diagnóstico, mas não a cura? – Isso é tão contraditório, não faz sentido.

— Exato. Deixe Deus decidir o destino das pessoas, assim como decidiu o seu.

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