Eu não fazia terapia desde que era criança. Que idade eu tinha quando me tornei órfão? Oito? Acho que é isso, então eu não faço terapia desde os oito. Não consigo lembrar de merda nenhuma daquela época, mas sei que tinham brinquedos… Mas não tinham brinquedos agora, eu sou um adulto. Espera, acho que fui pra terapia quando adolescente… Não, era um programa de reabilitação da igreja, porque eu era surtado. Que merda, parece que eu sempre fui surtado. Passei o primeiro minuto sentado lá, encarando a mulher à minha frente, sem saber o que dizer após me apresentar.
— O que eu devo falar…? – Perguntei.
— O que te deixar confortável.
— Eu… Não me sinto nem um pouco confortável.
— Por quê?
— Bem… Estou em um lugar desconhecido, com uma pessoa desconhecida…
— Já se sentiu assim antes?
— Não acho que isso tenha alguma importância. – Falei, impaciente. – Ninguém se sente confortável tendo que falar da própria vida pra um estranho.
— Então por que está aqui?
— Jeff pediu pra eu vir, ele acha que eu preciso.
— E por que ele acha isso?
— Porque eu passei três semanas como refém de serial killer… Ele não falou?
— Eu queria ouvir de você. Não acha que esse é um bom motivo, Elliot?
— Não sei, eu tô bem.
— Eu sou psicóloga há trinta anos e nunca conheci ninguém que tenha ficado "bem" depois de passar por algo do tipo. Você parece estar dissociando de seus sentimentos.
— Dissociando?
— Sim, está agindo como se não tivesse acontecido com você, ou como se tivesse ocorrido a muito tempo atrás.
— Mas o que tem de errado nisso? Não é pior ficar sofrendo?
— Se isso ficar mal resolvido, irá voltar pra te assombrar no futuro.
— Mas eu não quero lidar com isso agora. – Ela me encarou por um momento, então continuou.
— Ok, vamos levar o tempo que for necessário. O que acha de falarmos sobre outro assunto?
— Tipo…?
— Sua infância, por exemplo. Como foi?
— Boa, eu acho.
— Como era sua relação com os seus pais?
— Era boa, eles me amavam… Mas daí eles morreram.
— Quantos anos você tinha quando isso aconteceu?
— Dez? Talvez oito, não tenho certeza… Mais ou menos isso.
— Não se lembra?
— Não.
— Não tem nenhum documento que possa te dar essa certeza?
— Deve ter, no orfanato onde eu cresci…
— Mas você se lembra de como se sentiu? – Suspirei, profundamente.
— E deveria? Eu era criança. – Ela me encarou novamente, esperando uma resposta mais concreta. – Eu vi eles morrerem então deve ter sido horrível, ok? Mas não lembro de nada. – Era melhor não falar sobre aquela memória que tive recentemente com a minha mãe, eu nem sabia se era real.
— E quanto à sua vida no orfanato, você se lembra?
— Era boa. – Menti. Eu não queria falar sobre isso.
— Boa? Realmente boa ou tão boa quanto a sua vida agora?
— Tá tirando uma com a minha cara?
— De forma alguma. – Ela falou com uma voz suave, num tom que faria qualquer burro cair na dela. Mas eu não sou burro.
— Quão boa você acha que era a vida de um órfão gay sendo criado por freiras e padres?
— Você já teve que esconder sua orientação sexual?
— O que acha?
— Não posso chegar a conclusões por conta própria, Elliot. Se não me disser, eu não vou adivinhar. – Fiquei em silêncio por um momento. Eu não queria falar sobre aquilo.
— Não tem motivo pra falar sobre esse assunto, já até superei.
— Superou?
— Sim, já saí do armário há anos.
— Ok, eu acredito. Mas já parou pra pensar sobre aquilo que mais te incomoda?
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Sawdust
TerrorApós afogar as mágoas na bebida por conta do término de seu namoro, Elliot Taylor acorda nu em uma oficina de marcenaria. Ele tenta lembrar o que aconteceu e, ao conhecer o belíssimo marceneiro, tira a conclusão de que dormiu com ele na noite anteri...