2 - Mala

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Acordei no susto e a primeira coisa que fiz foi tocar meu rosto pra ver se ele tinha mesmo sido cortado pela serra, mas não tinha nada. Parecia perfeito. Será que foi um pesadelo? Era tudo muito real, eu pude até sentir a dor mas talvez não tenha acontecido pois eu estava vivo e sem ferimentos. Mas onde caralhos eu estava?

Era um local bem escuro e apertado... E frio. Meu corpo estava mais dolorido que antes, talvez por aquele lugar ser muito pequeno. Eu mal conseguia me mexer, era impossível até mesmo esticar meu braço. E estava se balançando, pulando. Arranhei as paredes à minha volta, tentando entender em que porra de lugar eu estava, e senti o toque de um tecido furadinho, como aqueles que tem em malas de viagem... Peraí, eu tava numa mala?!

Foi aquele cara que fez isso comigo? Mas não era só um pesadelo...? Pra falar a verdade, ele não tinha a mesma cara mas parecia muito com o meu ex, então não seria uma surpresa eu ter sonhado algo como aquilo logo após ele ter me feito sofrer tanto com o nosso término. Mas quanto a estar trancado numa mala, isso era bem real.

Comecei a gritar e bater no plástico mas não adiantou de nada, eu conseguia ouvir o motor de um carro e, pela forma que balançava, eu estava sendo transportado. Pra onde? Pra que? Eu não conseguia parar de pensar nisso e estava ficando difícil de respirar. Arranhei as laterais da mala, desesperado pra encontrar o zíper, mas eu já estava em pânico então não consegui.

O carro parou e eu congelei. Meu coração batia muito forte, eu estava com medo do que iria acontecer. Ouvi o porta-malas ser aberto e pensei em gritar, mas o medo era tão forte que eu não consegui. A pessoa que o abriu pegou algo de lá, que esbarrou na mala e me fez acordar do transe.

— Ei! – Gritei, voltando a bater no plástico. – Deixa eu sair!

— Mas o que... – O ouvi falar. É, ele tinha a mesma voz do cara do meu sonho... Aquilo foi um sonho ou foi real? Não, não tem como.

— Me tira daqui, não consigo respirar!

— Ah, merda! – Ouvi o porta-malas fechar novamente.

— Ei, seu filho da puta!!

— Cacete! – Ele xingou, e parece que jogou no chão aquilo que tinha pego na mala, emitindo um som de madeira e metal caindo sobre terra. Também o ouvi bater no carro, e bufar, e rosnar. – Como é que ele tá vivo depois de ter sido esquartejado?! – Peraí, esquartejado? Não, meu corpo tinha todas as partes no lugar, então de que merda ele tava falando? – Droga, o que eu faço...? – Ele disse, antes de ficar em silêncio. Quieto demais. Então voltei a bater na mala.

— Me tira daqui, desgraçado!

— Cala a boca! – Falou, mas eu escutei o porta-malas sendo aberto novamente. – Hah... – Suspirou alto. – Não, acho que to ficando maluco. Eu cortei ele em 24 partes... Vinte e quatro, eu contei. Será que ele é um daqueles mortos-vivos que tem falado por aí...? – Hã? O que ele queria dizer com aquilo? – Ok Owen, você vai olhar e ver que isso tá só na sua cabeça. – O zíper finalmente abriu, e eu me preparei. Não dei nem tempo dele pensar antes de chutar seu rosto e pular pra fora da mala. – Porra!! – Ele se inclinou pro lado, com as mãos na cara. – Como isso é possível?! – Ouvi ele dizer, mas já estava correndo sem olhar pra trás.

O lugar onde estávamos era bastante deserto. Óbvio, se alguém quer enterrar um corpo com certeza vai ser numa estrada de terra entre um lago e um bosque. Foi pra lá que eu corri, entre as árvores seria mais difícil pra ele me achar se eu conseguisse despistá-lo... Mas não fui rápido o suficiente. Eu tava tão desesperado que não ouvi seus passos atrás de mim, e antes que eu percebesse algo bateu tão forte na minha cabeça que me derrubou no chão. Meus ouvidos zuniram e escorreu sangue do meu nariz, mas ainda assim me arrastei e tentei levantar. Mas não teve jeito, ele pisou nas minhas costas pra eu não conseguir fugir.

— Me solta! – Segurei sua perna, tentando fazê-lo tirar o pé de cima de mim, mas ele nem se mexia. Aquele cara era muito forte! – Por favor! Socorro!

— Ninguém vai te ouvir, seu burro! – Ele gritou e bateu na minha cabeça novamente. Várias vezes.

Eu devo ter desmaiado, pois quando abri meus olhos de novo eu estava de frente pra ele. Era mesmo aquele cara do sonho... Então foi real, por mais absurdo que parecesse. Ele segurava uma pá contra a minha garganta e estava pronto pra cortar minha cabeça com ela, mas diferente das duas últimas vezes que ele tentou me matar, sua expressão não era de prazer ou raiva. Era de medo.

Assim que eu acordei, levei minhas mãos ao pescoço mas ao invés de suspirar de alívio por ter minha cabeça no lugar, gritei pois tinha uma grossa corrente de ferro envolvendo minha garganta.

— Então você ressuscitou... De novo. – Olhei pra ele, sentado na cadeira à minha frente, e foi aí que eu notei que eu estava de volta naquela oficina, acorrentado à mesa onde eu havia acordado na primeira vez.

— Seu filho da puta, o que vai fazer comigo? Por que não me mata logo?!

— Eu matei, três vezes, mas você continua voltando. Primeiro eu pensei que não tinha feito direito, não é tão fácil enforcar alguém até a morte... Daí eu te esquartejei pra garantir, mas quando fui enterrar seu corpo, você tava inteiro. Então eu cortei sua cabeça e tentei mantê-la longe do resto mas seu corpo virou geléia e se arrastou até sua cabeça pra se regenerar, aí eu entendi que deveria pensar em outra coisa. Enquanto penso, vou te manter como está.

— Mas que merda é essa que você tá falando, seu psicopata?! Não tem como você ter me matado se eu ainda tô vivo!

— Claro que tem, você é um morto-vivo.

— Um o que?!

— Nunca ouviu falar? O povo tem comentado na internet.

— Qual internet? Não a de gente normal né, porque eu não entro nesses fóruns de incel que você costuma entrar.

— Pera, você tá me chamando de incel?

— Ora, eu lembro de você ter dito que me odiava por eu ter achado que a gente transou mesmo sem saber seu nome... O que mais um cara que é tão frustrado que sai por aí matando gente que gosta de sexo casual seria?

— Ah, cala a sua boca! Você nem sabe do que tá falando.

— O que é que foi? Foi rejeitado pelo seu primeiro amor da escola primária? – Ele riu.

— Você é tão burro.

— Errei? Então aposto que seu pai devia trair bastante a sua mãe, né?

— Que piada, eu nem conheço o meu pai.

— Ah, então foi a mamãe? – Ele estremeceu, e perdeu o sorriso no rosto. Haha, bingo! – Então ela trazia vários caras diferentes pra casa, é isso? – Ele grunhiu, virou as costas e se aproximou da mesa onde estava a máquina que ele havia me cortado. Me arrepiei. Se eu dissesse que eu não estava com medo de morrer de novo eu estaria mentindo, mas aquilo não era motivo pra eu facilitar as coisas pra ele. Se ele estivesse certo, eu voltaria à vida. Se não, morrer parecia uma opção melhor do que ficar trancado com aquele maluco. – É por isso que você não sabe quem é o seu papai?

— Eu mandei você calar a boca! – Ele pegou um martelo e não hesitou em bater na minha cabeça. Me atingiu várias e várias vezes, e então eu perdi a consciência.

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