Eu estava completamente fora de mim quando chegamos à igreja local, onde passaríamos a noite antes de voltarmos pro Arizona. Não era por menos, Irmã Julia decidiu me dar outra dose do meu remédio, sendo que eu já havia tomado duas sem ela saber. Ela e os membros da igreja passaram a noite em vigília, rezando para o meu coração encontrar paz e para que a alma de Owen pudesse ser salva. Como cristãos, eles eram contra a pena de morte e alguns estavam presentes no local da execução, protestando pacificamente do lado de fora. Sendo sincero… Suas orações ajudaram um pouco.
Eu não sabia como deveria me sentir após ouvir aquela confissão, após escutar de forma tão sutil e poética que eu era amado, enquanto a vida tirava qualquer chance de ficarmos juntos. Eu nunca me senti amado por ninguém… Não, eu havia aprendido a enxergar outras formas de amor, e aquela vigília me lembrou disso. O amor de Owen era impossível de ter mesmo antes de sua morte, por conta do caminho que ele decidiu seguir, mas talvez o amor que eu tinha dos meus Irmãos e Irmãs me ajudasse a esquecer.
Ainda assim, não seria fácil superar. Durante o caminho pra casa, no dia seguinte, não pude parar de pensar em suas palavras. Elas pareciam tão sinceras… Ao mesmo tempo, ao lembrar do que ele disse no meu julgamento, era impossível não duvidar delas. Aquilo tudo era muito confuso.
— Você vai ficar bem? – Irmã Julia perguntou quando nosso motorista parou em frente ao convento para que ela pudesse sair.
— Graças às suas orações, Irmã, eu irei. – Foi o que respondi, mas não tinha certeza daquilo.
Meu coração estava doendo, mesmo não conseguindo derramar mais lágrimas. Eu não queria ficar sozinho, mas também não podia levar mais preocupações a ela… Também não tinha a intenção de mentir, mas graças às orações eu estava me sentindo melhor que o esperado, então decidi manter segredo sobre as minhas incertezas. Estava tudo bem em ficar sozinho… Mas eu não esperava notar, assim que cheguei em casa, que a porta estava destrancada. A abri, devagar, e o cheiro daquela que esperava por mim atingiu meu nariz antes mesmo que eu conseguisse ver quem era. Sim, aquele cheiro havia ficado mais forte com o tempo.
— Irmã Janice…? – A vi, sentada no sofá, com um livro na mão. Confesso, fiquei surpreso. Mesmo sabendo onde eu deixo a chave, ela não costuma me visitar muito. – O que a traz aqui?
— Trouxe seus coelhos novos, já estão nas gaiolas. Não se esqueça de deixar ao menos um macho e duas fêmeas para que possam se reproduzir.
— Ah. Obrigado. – A encarei por um instante, incerto sobre o que fazer. Encontrar com ela era um pouco esquisito, havia sempre um sentimento estranho. Tão estranho quanto o que eu tinha pelo Owen, mas um pouco diferente, menos intenso e… Bem, sem a atração.
— Venha. – Ela deu tapinhas no lugar ao seu lado no sofá, e eu hesitantemente me aproximei. Pra minha surpresa, assim que me sentei, passou os braços em volta de mim e me puxou para deitar sobre seu colo.
Aquilo era estranho, mas… Revirou alguma coisa dentro de mim. Me lembro bem, eu costumava chorar muito quando era criança. Os meninos sempre implicavam comigo, então, obviamente, eu ficava triste com isso. Eu chorava no colo da Irmã Janice e me perguntava o porquê de ser diferente deles, enquanto ela acariciava meu cabelo. Então, quando sua mão tocou minha cabeça, não pude impedir as lágrimas de caírem.
— Tá tudo bem, meu garoto. Já acabou.
— Eu sei, mas… – Tentei falar entre os soluços. – Ele me amava. Da própria maneira, mas amava.
— Querido… – Ela suspirou. – Sinto muito pelas coisas terem acontecido dessa forma, mas Deus tem um plano para todos nós. Sei o quanto busca por amor, assim como as outras crianças como você, mas eu acredito que o amor que você precisa não é o mesmo que um homem como ele poderia te dar. Amor carnal apenas te causou dor, por isso, por favor, não deixe essa tentação te tomar novamente. – Ela tinha razão…
Minha busca por um relacionamento apenas me machucou. Mesmo que eu tentasse me distrair desse desejo ao seguir o caminho de Deus, ainda estava lá, enterrado em mim. Na minha cabeça, eu ainda teria a chance de conhecer o homem da minha vida e deixaria o seminário antes de ser tarde demais, pra eu poder ser feliz… Mas eu não podia fazer isso. Como ela disse, amor carnal apenas me causou dor, então eu não deveria mais procurar por ele. Eu precisava encontrar o amor de Jesus, mas…
— Irmã… Eu não acho que tenho fé o suficiente.
— Então ore, meu menino. Ore até sua fé ficar mais forte.
— Eu tenho tentado bastante nos últimos anos, mas sinto que é em vão. Ontem eu tive provas de que meu coração ainda pertence a um homem, e não a Deus.
— Isso é perfeitamente aceitável.
— Não é! Por que aquele homem só me machucou!
— Isso só mostra o quão puro é o seu coração, e é por isso que Deus te salvou, assim como salvou Seu próprio filho.
— Mas e se não foi Deus? E se eu fui amaldiçoado pelo diabo?
— Isso não faz sentido algum. – Ela bateu na minha boca, como costumava fazer sempre que eu blasfemava.
— Ai! – Reclamei, segurando sua mão. – Eu não sou mais criança!
— Mas fica chorando como se fosse, seja homem! – Ah. Eu achei que pudesse ficar vulnerável perto dela… Bem, sempre foi assim, ela sempre me deu um pouco de afeto pra depois me afastar de repente.
— Certo. – Me sentei novamente e pigarreei, baixando o tom da minha voz para falar “como homem”. – Desculpe.
— Você não deve pedir meu perdão, e sim o de Deus! Ele te deu essa benção, caso contrário você não estaria de volta no caminho certo. – Bem, ela não estava errada. Duvido que eu estaria no seminário se minha vida tivesse continuado do jeito que era… Na verdade, nem vida eu teria mais. – Se o diabo tem algo a ver com isso, deve ser ele quem coloca tentações no seu caminho! Você está no último semestre, as tentações irão piorar. As forças do mal irão tentar te impedir de se tornar santo, e você tem que lutar contra elas!
— Sim, eu sei… – Suspirei, e agora que meu nariz não estava mais entupido pelas lágrimas, o cheiro horrível de seu corpo me atingiu com toda a força, tanto que eu tive que engolir o vômito.
— O que houve, está passando mal? Você não fica doente, comeu algo que não devia?
— Não, é que… Esse cheiro… – Onde foi que eu senti aquilo antes? Foi numa toalha… Não, num roupão. E aqueles olhos fundos… Oh. – Irmã, acho que você pode estar com câncer.
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Sawdust
HorrorApós afogar as mágoas na bebida por conta do término de seu namoro, Elliot Taylor acorda nu em uma oficina de marcenaria. Ele tenta lembrar o que aconteceu e, ao conhecer o belíssimo marceneiro, tira a conclusão de que dormiu com ele na noite anteri...