22 - Expectativas

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Não preciso nem falar que a atmosfera entre nós ficou esquisita nos dias seguintes. Não posso dizer que ele não estava tentando fazer melhorar, o problema era eu. Eu sentia que ele tentava até demais, e isso fazia parecer que eu era um problema.

Não faço ideia do que o fez se apaixonar por mim, mas não era a mim quem ele queria. Jeff esperava que eu me comportasse como uma pessoa normal, mas eu não conseguia. Caramba, eu nem sei como uma pessoa normal deveria agir, só sei que eu não sou normal e nunca serei. Não depois de tudo o que eu passei, depois dessa doença… Não depois de conhecer o Owen. Aquele “cuidado” só fazia eu me sentir como se eu estivesse errado em ser eu mesmo… Bem, talvez eu estivesse.

Qual é, olha pra ele. Um cara como o Jeff provavelmente estava certo sobre tudo, tendo uma vida equilibrada, um bom emprego, um apartamento luxuoso, um Tesla… E a personalidade dele não era terrível. Ele era perfeito. E era isso que me assustava, porque eu nunca havia conhecido alguém tão perfeito… Espera, na verdade eu acho que conheci.

Agora que parei pra pensar, quando eu era criança eu fiquei com algumas famílias adotivas e tinha uma casal em específico que me fez sentir como se eu finalmente tivesse encontrado a família perfeita… Mas então, o que aconteceu? Não consigo lembrar. Por que eu fui tirado deles, será que fizeram algo errado? Ou fui eu que fiz? Eu tenho a sensação de que foi minha culpa… E eu não queria que acontecesse de novo.

Por isso, decidi jogar o jogo do Jeff e isso acabou mudando algo. Comecei a me abrir pra ele, aos poucos, e percebi que fazer as coisas do jeito que ele queria era a melhor forma de garantir que ele não me abandonaria.

— Ei. – O chamei, antes de irmos pra cama. Estávamos dormindo em quartos separados de novo, dormir junto era esquisito depois do que havia acontecido há três dias.

— O que foi?

— Será que eu posso ir cortar o cabelo amanhã?

— Claro. – Ele nem tentou esconder o sorriso que surgiu em seu rosto. Ótimo. – Mas você vai ficar bem com estranhos te tocando?

— Se você estiver comigo, acho que vou me sentir mais seguro.

— Ok. – Falou, segurando a maçaneta da porta.

— Será que eu também posso ganhar um beijo?

— Hm… – Ele parou, pensando.

— Ainda ta com raiva de mim?

— De onde você tirou isso? Eu nunca estive com raiva de você.

— Sei lá, é que… Eu não tô atingindo as suas expectativas, não estou melhorando.

— Tá tudo bem, não espero que você melhore tão rápido assim. Por isso digo pra você levar o tempo que precisar.

— Mas se não quiser nem me dar um beijo, vou começar a achar que você perdeu o interesse.

— Nunca vou perder. – Ele se aproximou, e nossos lábios se tocaram. – Eu te amo, ok? – Ama, mesmo? Ele realmente me ama? Era difícil dizer. Ainda assim, eu precisava dele pois era a única pessoa que eu tinha.

Eu realmente tentei agradá-lo nos dias seguintes. Peguei meus documentos no depósito, cortei o cabelo, fui à terapia e até mesmo fui ao médico, apesar de não querer. Jeff insistiu que eu tinha que tratar a DST mas não acho que um médico comum poderia me ajudar… Por sorte, os laboratórios “perdiam” minhas amostras de sangue, então eu não tive que contar ao Jeff os detalhes sobre aquela doença, ele não entenderia os efeitos colaterais. Ele também não entenderia a minha fome.

Minha barriga roncava mais alto a cada dia, não apenas pela falta de carne fresca como também porque Jeff insistia que eu deveria mudar minha dieta, então eu entrei na dele e parei de comer carne crua. Mas aquilo era perigoso. Eu tinha medo de atacá-lo a qualquer momento, por isso precisei arrumar uma forma de me alimentar.

Dormir em quartos separados acabou sendo vantajoso, eu podia sair no meio da noite sem ser notado, então comecei a levar uma faca comigo pra poder caçar algo pra comer na rua. Cães eram bem fáceis de capturar, mas até que consegui me alimentar de um gato uma vez. O gosto não era dos melhores mas, ao menos, minha fome foi controlada. Eu não contei isso a ninguém, nem mesmo pra terapeuta… 

E assim, um mês inteiro passou e minha vida começou a se ajeitar novamente. Eu ainda não tinha sido capaz de ir à polícia pra denunciar o que havia acontecido comigo, mas consegui começar a procurar um emprego. Um passo de cada vez, era o que a minha terapeuta dizia, mas ela também dizia que eu teria que encarar isso mais cedo ou mais tarde. Só que eu ainda não estava pronto.

Até que, um dia, tudo mudou.

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