31 - Maldição

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Quem poderia vir me visitar? Julia? Mas será que eu podia ter visita mesmo estando na solitária? Estranho… Ah. Bem, acho que só tinha como ser uma pessoa. O único a quem não poderiam impedir de me visitar era o meu advogado.

— Como você conseguiu ser colocado na solitária na sua primeira semana? – Edward, se é que aquele era o nome dele, perguntou assim que eu peguei o telefone da sala de visitas.

— Não foi culpa minha.

— Claro que não. – Ironizou.

— Enfim, por que demorou tanto? Você ficou insistindo pra ser meu advogado, devia ter vindo assim que soube.

— Ué, aqui estou. Eles não costumam informar esse tipo de coisa rapidamente, tive que ouvir da Irmã Julia.

— Ah. Mas eu queria falar com ela, não com você.

— Ela não pode te visitar agora que está na solitária.

— É, eu imaginei.

— Isso pode complicar as coisas, posso saber o que aconteceu? – Respirei fundo.

Eu realmente não queria falar com ele, mas… Eu tinha que fazer isso, né? Ele era o único com quem eu poderia falar agora. Mas contar aquele tipo de coisa pra alguém que me veu crescer era meio constrangedor… Apesar de ele não ter sido tão presente, mal podia lembrar seu nome. É, acho que não tinha problema.

— Hm… Um cara tentou me estuprar, daí… — Ai, que vergonha. – Então, eu arranquei o “negócio” dele a dentadas.

— Você não tinha outra forma de se defender?

— Não, ele tinha o dobro do meu tamanho! Ele me jogou até o outro lado do vestiário, pisou em mim, sentou no meu peito, me desmaiou, e mais um monte de merda… Apesar de que ele não foi até o fim, eu disse que tinha uma…. Uh… – Olhei pra baixo, aquilo era tão estranho. Era assim que as pessoas se sentiam ao ter que revelar algo sobre sua vida privada aos pais?

— Elliot, nesse momento eu sou a única pessoa pra quem você pode contar tudo. Como advogado e como um homem de Deus, eu tenho a obrigação de não te julgar e de manter essa conversa entre nós. Não tem ninguém nos assistindo ou gravando, como somos cliente e advogado isso seria ilegal. Temos completo sigilo.

— Ok… Então, não foi culpa minha e eu não fazia ideia disso, mas eu peguei uma DST. – Fechei os olhos, esperando que ele brigasse comigo por isso. Tenho certeza de que o Padre Harrison brigaria, eles se esforçaram tanto pra me criar mesmo não sendo meus parentes, sei que não gostariam de ouvir que eu havia contraído uma doença… Mesmo que não fosse minha culpa.

— Está bem. – Foi o que ele disse, e eu o encarei, surpreso. Ele não ia brigar comigo? – Então foi em defesa própria… Alguma testemunha? – Ele realmente não ia… Aquilo era… Bom, eu acho.

— Não, ele conseguiu esvaziar o vestiário e não tinham guardas do lado de fora.

— Está dizendo que ele armou uma emboscada, implicando que os guardas estavam envolvidos?

— Definitivamente, sim. Todos sabiam que ele era um estuprador em série, e que estava de olho em mim. Ele até tentou dar em cima de mim na frente de um guarda.

— Ok… Esse caso não vai ser difícil, podemos até conseguir uma indenização. Irei solicitar um exame de corpo de delito pra termos provas da violência que você sofreu.

— Ah, sobre isso… Acho que não vai aparecer nada nos exames.

— Vai sim, não faz muito tempo.

— Não foi o que eu quis dizer.

— O que é, nesse caso?

— Bem, sobre a DST… – Peraí. Será que ele acreditaria em mim? Ninguém em sua sã consciência iria acreditar. Mas… – Lembra das cicatrizes que eu tinha nas costas, né?

— Cicatrizes…? Ah. Claro, você era adepto da auto-flagelação. Mas parou aos dezessete anos, não foi? – É mesmo, eu havia parado durante a época em que tive uma namorada, pois pensei que havia me libertado do motivo para fazê-lo. Mas entre o período em que deixei o Arizona e antes de conhecer Grayson, eu voltei. De qualquer forma, isso não importava agora.

— Então… Pode ser uma surpresa, mas acho que você vai entender quando ver com os próprios olhos. – Levantei da cadeira e me virei, erguendo a camiseta. – Viu só? Elas sumiram.

— Então você fez um tratamento?

— Não! – Me virei novamente, e vi que ele franzia tanto as sobrancelhas que elas estavam quase se unindo. – Olha, você não vai acreditar mas… – Merda, como eu ia explicar de uma forma que ele entendesse? Ele tinha que ver como era, então mordi o meu próprio braço.

— Elliot, pare com isso. – Pediu, preocupado, mas eu mordi mais forte, até sangrar. – Pare, ou terei que chamar o guarda.

— Espera, veja! – Mostrei meu braço. Não sei se era a expectativa, parecia estar levando mais tempo que no dia em que fui pra solitária, mas logo o sangue começou a voltar pro meu corpo e a ferida desapareceu completamente, como se nunca tivesse sido feita. – Viu?

— O que… – Ele pareceu impressionado de início, mas logo se acalmou. – Isso me parece… Um milagre.

— Tá mais pra uma maldição. Foi essa doença que me trouxe até aqui, por causa dela eu preciso comer carne fresca com frequência, senão perco a cabeça. E por fresca eu digo com morte recente, não sei o que vou fazer se continuar trancado aqui. Já tô começando a sentir fome.

— Eu não acho que possamos usar isso no julgamento, vou pensar no que podemos fazer e em como resolver seu problema com a alimentação. – Espera… Por que ele não estava surtando? Parecia não ser nada de novo pra ele, mas que porra. – Conte-me, Elliot. Você acha que o estuprador fez outras vítimas dentre os prisioneiros?

— Sim, acho que ele fez o mesmo com outros twinks por aqui.

— Twi- – Ele levantou uma sobrancelha. Ah, é mesmo, a palavra “twink” definitivamente não estava no vocabulário de um padre. – Enfim, não vou nem perguntar. Não vai ser fácil, mas você precisa descobrir quem são e convencê-los a testemunhar.

— Ok…

— Não posso te tirar daqui agora, mas você obviamente não está seguro nesse presídio. Irei solicitar uma transferência.

— É exatamente isso que eu quero! Me transfira pra onde o Owen Hart está.

— Elliot, eu… – Ele suspirou. – Tudo bem, vamos falar sobre seu caso principal agora. A investigação já te conectou ao Owen Hart, apesar de ainda estarem tentando definir seu relacionamento. Pra encontrar a melhor forma de conduzir seu caso, eu preciso saber. Elliot, você é uma vítima ou um cúmplice?

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