30 - Ligação

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A solitária não era tão ruim pra alguém que foi sequestrado e mantido em um porão sem comida. De verdade, lá eu tinha privacidade, um vaso sanitário, uma cama mesmo que desconfortável, comida três vezes ao dia, ninguém além de mim pra me machucar, e eles até mesmo me deixavam sair durante uma hora todos os dias. Parecia um hotel de luxo perto do que eu já havia passado. Mas, assim como quando fui sequestrado, não tinha nada pra fazer além de pensar sobre o meu passado.

Era impossível não ficar intrigado pelo que aquele padre falou. Eu jurava que nunca havia sido preso, mas… Será que eu podia confiar na minha memória? Enquanto eu refletia sobre isso, consegui lembrar de algumas coisas que haviam acontecido por volta dos meus quinze anos de idade. Eu estava na capela com a Irmã Janice. Ela havia me chamado lá, nós conversamos e logo um casal apareceu, sorrindo pra mim. Seus rostos estavam embaçados, eu não conseguia me lembrar de quem eram, mas parecia uma família bem rica. Era normal que pessoas como eles adotassem apenas bebês e crianças pequenas, então o que queriam com um rapaz de quinze anos como eu? Aquilo não fazia sentido.

Mas eu também tive a lembrança de usar um uniforme de escola particular. Sim, acho que eu realmente fui pra uma escola de elite em algum ponto da minha vida. Lembro de sofrer muito bullying por ser um estranho, e consegui recordar claramente da primeira vez que alguém me chamou de “lixo branco”. E também lembrei de sangue.

Será que eu ataquei alguém? Foi por isso que precisei de um advogado naquela época? Por isso que aquele casal me mandou de volta pro orfanato? Não me lembro de ter sido muito violento antes do Owen… O fato de eu não saber exatamente o que aconteceu estava me deixando maluco, eu tinha que descobrir a verdade. Mas como? Os únicos que poderiam me dizer qual era a verdade eram as pessoas do orfanato, mas eu não podia confiar neles.

— Prisioneiro! – Eu estava tão perdido em meus pensamentos que quase pulei da cama quando o guarda chamou. – Hora do seu banho de sol, vamos! – Fui até a porta para ele colocar as algemas.

Seria minha segunda vez do lado de fora desde que fui pra solitária, então eu ainda não sabia o que fazer, uma hora era muito pouco pra qualquer coisa. Como no dia anterior, eu não queria ir tomar banho naquele lugar terrível mesmo que aquele cara estivesse no hospital, mas também não queria ir pro banho de sol. Talvez eu devesse ir pra biblioteca? Mas eu não ia achar respostas lá, a única forma de saber o que aconteceu era falar com alguém do orfanato…

Não, eu não queria fazer isso. Eu não queria cair nas garras deles novamente, mas… Que outra opção eu tinha? Acabei indo pra fila do telefone, mas assim que chegou a minha vez, percebi que não sabia o número de ninguém. Aliás, quem grava números hoje em dia? Ficam todos salvos no celular e a gente nem vê, e algumas pessoas até mesmo trocam de número de vez em quando.

Mas tinha um que estava gravado na minha cabeça desde criança, e ele nunca mudava. Eu não queria ligar pra ele, pois não sabia quem iria atender. Podia ser quem eu ia preferir morrer antes de falar com ela, mas minha vez chegou e eu não tinha outra opção, então peguei o telefone.

— Por favor, insira seu código. – Pra minha surpresa, foi o que ouvi assim que coloquei o fone no ouvido. Mas que porra de código é esse? Eu lembrava de terem falado sobre isso antes de me trazerem pro presídio, mas qual era…?

— Merda! – Não conseguia lembrar, então bati o telefone no gancho. O guarda logo se aproximou, segurando o meu braço.

— Se comporte, prisioneiro!

— Tá bom, eu vou. Me solta. – Ele afrouxou a mão, ainda mantendo-a no meu braço. – Você sabe qual é o meu código?

— É o número no seu macacão, não prestou atenção no que te falaram antes de te trazerem pra cá?

— Ugh… – Era tão simples, por que não pensei nisso antes? – Ok, vou tentar de novo. – Mas quando me virei pro telefone novamente, já tinha alguém usando. – Ei…!

— Perdeu a vez, volta pro fim da fila. – O guarda falou.

— Mas eu não tenho tempo! Preciso fazer essa ligação antes que você me leve de volta pra cela!

— Isso não é problema de ninguém, você tem que seguir as regras.

— Isso é injusto! – Reclamei, mesmo sabendo que não ia mudar nada. Eu não tinha tempo de esperar na fila de novo, o que eu deveria fazer? Bem, eu não sabia se iria funcionar mas tinha outra opção. – Quero falar com o meu advogado. – O guarda me encarou, mas não respondeu. – Você me ouviu? – Ele suspirou.

— Claro. Espera na fila do telefone ou escreve uma carta pra ele, essas são as opções. – Merda, eu realmente tive que esperar na fila de novo… Mas, no fim, consegui ligar.

— Lar para crianças São José, no que posso ajudar? – Uma mulher atendeu e eu não reconheci sua voz, provavelmente era uma noviça, pois as freiras não costumavam ter a tarefa de atender ligações. Bem, ao menos não era alguém cuja voz eu não gostaria de ouvir.

— Oi. Posso falar com a Julia?

— Julia… Pode ser mais específico, por favor?

— Irmã Julia.

— Ah, certo. Posso saber seu nome?

— Elliot Taylor. Sou um órfão que cresceu aí.

— Certo, senhor Elliot. A Irmã Julia não pode falar agora, ela está dando aula. Pode ligar mais tarde?

— Não, eu não posso… Eu tô preso, aconteceram algumas merdas e agora eu tô na solitária, então só tenho uma hora por dia pra fazer qualquer coisa fora da minha cela. Pode pedir pra ela esperar pela minha ligação amanhã, por favor?

— Claro.

— Eu só vou falar com ela, não deixe mais ninguém atender.

— Ei, prisioneiro! – O guarda chamou. Ele já vinha olhando o relógio a um tempo, então eu sabia que era hora de ir.

Pelo menos consegui ligar pra alguém. Talvez amanhã eu possa ter as respostas que procuro, então estava aliviado. Mas… No dia seguinte, um pouco antes da hora que eu deveria ter meu tempo do lado de fora, o guarda me chamou. Eu tinha uma visita.

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