44 - Perdão

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Quando eu disse que ia assistir a execução do Owen, todo mundo foi contra, principalmente a Irmã Janice, mas não tinha nada que eles pudessem fazer. Minha terapeuta concordou que eu deveria ir, então, quando a hora chegou, eu e a Irmã Julia pegamos um avião para o Texas.

Haviam muitas pessoas na sala, esperando para assistir. Lá estavam as famílias das vítimas, é claro, pessoas que não tinham ligação com o caso não tinham permissão para assistir, além de alguns poucos jornalistas que haviam sido selecionados para testemunhar. Eu só consegui levar a Irmã Julia pois informei de antemão que precisaria de suporte emocional, então por ser uma freira e, dessa forma, considerada capaz de fornecer tal suporte, permitiram que ela ficasse ao meu lado.

— Um padre?! – Ouvi uma mulher dizer quando passei por um grupo de pessoas. – Isso é um absurdo! Depois de tudo o que fez, aquele monstro vai poder receber a extrema-unção?! – Não, eu não poderia performar tal rito, ainda não era um padre. E, até onde eu saiba, Owen não era católico. Mas eu não disse nada, era melhor ficar quieto do que começar uma discussão.

— Acho que não, aquele não é qualquer padre.

— Então quem é ele? O que faz aqui?

— É Elliot Taylor.

— Hã?! Elliot Taylor, a décima-quinta vítima? O mesmo que matou um homem após ser solto?

— Sim, ele parece… Mais ‘saudável’ agora. – Ah, ela ia dizer gordo, eu sei bem. Há anos atrás eu teria feito um escândalo por isso, mas agora eu era um homem diferente. Sem discussões. – Mas com certeza é ele.

— Espera, ele não era gay?

— Bem, depois de tudo o que ele passou, quem somos nós pra julgar?

— Ainda assim, isso é permitido? – Ugh… Se soubessem como as coisas são… – Afinal, ele matou uma pessoa. – Ah, achei que ela estivesse falando da minha sexualidade. Acho que ela tem razão, nesse caso, eu realmente só fui aceito no seminário por conta das circunstâncias.

— Você está bem? – Irmã Julia sussurrou pra mim.

— Sim, o que elas falam não me incomoda.

— Ei! – Dessa vez foi uma voz masculina. Um cara grande, que parecia ter uns 50 anos, parou na minha frente e me segurou pela camisa, fazendo com que eu me levantasse de onde estava sentado. – Que porra você tá fazendo aqui?! Como pode um canibal como você, o homem que comeu os órgãos do meu filho, ser permitido a virar padre?! – Ah, agora entendi. Era o pai do cara que o Owen fez eu comer.

— Senhor, por favor, se controle ou serei obrigado a detê-lo. – Um guarda aconselhou, se aproximando de nós, mas eu levantei minha mão em sua direção para que ele não chegasse mais perto.

— Tudo bem. – Falei. – “Assim que, se alguém está em Cristo-” – Tentei citar uma das passagens que eu usava pra me ajudar a me perdoar pelo meu passado, mas ele me interrompeu.

— Não venha com essa porcaria de bíblia pra cima de mim!

— “Assim que, se alguém está em Cristo, nova criatura é; as coisas velhas já passaram; eis que tudo se fez novo”. – A passagem foi citada, mas não por mim, nem pela Irmã Julia. – 2 Coríntios 5:17.

— Senhora Steward? – Eu logo a reconheci.

É claro, seu rosto havia sido gravado em minha mente após o que ela havia dito no final do meu julgamento. As palavras que ela falou, sua sinceridade em dizer que esperava que eu melhorasse mesmo não sendo capaz de me perdoar, certamente me ajudaram a escolher o caminho que eu deveria seguir.

— Olá, Elliot. – Me cumprimentou brevemente, então se virou novamente para o homem que lentamente soltava minha camisa. – E você, senhor, deveria analisar as circunstâncias antes de chegar a uma conclusão. Elliot não teve culpa sobre o que fez com o seu filho, nem sobre o que fez com o meu. Ambos sabemos quem é o verdadeiro culpado, e é por isso que estamos aqui hoje. Se eu sou capaz de perdoar este homem à minha frente e de reconhecê-lo como uma nova pessoa, o senhor também é. Lembre-se de que ele é uma vítima, assim como o seu filho, e nós podemos apenas imaginar os horrores que ele teve que passar.

— Me… – Seus olhos lacrimejaram quando ele finalmente me soltou, e sua voz falhou. – Me desculpe. – Tentou falar entre as emoções, mas era difícil. Então, o homem foi se sentar em uma cadeira longe de nós.

— Obrigado, Senhora Steward. – Me aproximei e estava pronto para abraçá-la, mas ela levantou a mão, pedindo para que eu parasse.

— Eu te perdoo, mas isso não significa que eu queira me aproximar.

— Sim, eu entendo. – Ela se afastou para sentar longe de mim, sem falar mais nada. Também me sentei e ajeitei meu clérgima, e comecei a observar as pessoas à nossa volta enquanto esperávamos.

Havia pais e irmãos, até mesmo uma avó. Aqueles a quem ele assassinou eram amados, tinham famílias que sofriam suas perdas. Parecia injusto que eu, um órfão, tenha sido o único a sobreviver. Mas uma coisa que eu aprendi no seminário foi que Deus tinha um plano para cada um de nós, e talvez aquele fosse o plano Dele. Talvez essa fosse a única forma de fazer com que eu me tornasse quem estava me tornando… Né? Mas… Era certo que eles sofressem? Que lição precisavam aprender?

Será que eu sobrevivi apenas pela vontade de Deus? Não havia ninguém que parecia estar lá pelo Owen. Sem parentes, sem amigos, o único cujos sentimentos por ele incluíam amor… Era eu. Ele estava sozinho, assim como eu naquela época, e aquilo era tão triste… É, talvez fosse a vontade de Deus me colocar no caminho do Owen, para que ele tivesse ao menos uma pessoa para rezar por sua alma.

Nós esperamos por um longo período, e então as cortinas se abriram.

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Pessoal, não encontrei melhor forma de perguntar e por isso decidi fazer uma nota. Estou pensando em fazer um grupo no whatsapp pra fãs, preciso de 10 pessoas interessadas então comenta aqui se você tem interesse, por favor 🙏🏻

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