23 - Caça

50 5 10
                                    

Não sei por quanto tempo eu esperava manter aquele segredo, os rumores sobre a morte de cachorros de rua já estavam se espalhando pela vizinhança. Ouvi da empregada do Jeff, Mercedes, que as pessoas estavam pensando que era algum tipo de ritual satânico, mas eu sabia o que era. Então talvez eu devesse me segurar por um tempo…

E foi isso que eu fiz. Eu geralmente caçava duas vezes por semana, mas consegui me segurar por quinze dias, até ser demais pra eu suportar. Minha barriga doía muito e eu percebi que estava ficando violento. Eu estava com medo de acabar machucando o Jeff então, naquela noite, decidi que era hora de procurar comida. Como sempre, esperei algumas horas antes de ir até a cozinha pegar uma faca, mas dessa vez, enquanto estava saindo, as luzes acenderam.

— Você quer mesmo fazer isso, Elliot? – Jeff estava lá, parado, na frente do corredor, e eu apenas o encarei em choque. – Eu ouvi os rumores sobre os cães e sei que foi você.

— Do que você tá falando? Eu só pensei que alguém tivesse entrado no apartamento e vim checar…

— Eu já te vi sair e voltar com sangue nas mãos por várias noites, só não fiz nada pois sabia que uma hora você iria parar, conforme seu trauma fosse sendo tratado. – Merda, eu realmente achei que ele não tinha percebido. – Fiquei feliz quando parou, aconteceu alguma coisa pra você voltar a fazer isso?

— É só que… – O que eu deveria dizer? Que eu tô comendo cachorros pra não acabar comendo ele? – Eu tô com fome.

— Você pode pedir algo pra comer.

— Não, isso não vai adiantar.

— Por que não? De onde vem essa fome?

— É a doença, ela me deixa com fome.

— Elliot… – Suspirou. – Quando te conheci, você era obeso. Você comia uma pizza inteira sozinho, assim como tem feito agora.

— E daí? Qual o problema?! – Levantei minha voz, já irritado.

— Nenhum, você pode comer o quanto quiser.

— Para de mentir! Eu sei que você vai parar de gostar de mim se eu ficar gordo de novo, porque assim eu não serei mais bonito!

— Isso não é verdade, eu já gostava de você antes… Só acho que você pode estar fazendo isso pra preencher um vazio dentro de você, e não pra encher sua barriga. Isso não é saudável.

— Você acha que sabe tudo sobre o que eu sinto?!

— Não, querido… Mas sei que sair por aí comendo cães de rua não vai te fazer bem.

— Não, você não sabe de nada! – Eu estava com tanta raiva. Minha barriga roncava cada vez mais alto enquanto seu cheiro atingia o meu nariz. Eu tinha que sair dali. Agora.

— Elliot, você pode acabar pegando uma doença…

— Cala a boca! Você não entende, eu tenho que comer. Eu preciso!

— Tá tudo bem, você pode comer o que quiser. Desde que não mate outro cachorro. – Ele se aproximou e eu recuei. Seu cheiro… A fome era muito forte! – Agora me dá essa faca, tá bom? – Mostrou as mãos, diminuindo a distância devagar. Minha mente estava embaçando e eu não conseguia controlar a minha respiração. Eu tinha que sair dali. – Elliot, a faca. – Eu estava tremendo, mal conseguia pensar e não era mais capaz de me mover. Eu estava tentando me controlar, segurando a minha sanidade por um fio, quando ele conseguiu pegar meu braço e eu deixei a faca cair no chão, e ele me abraçou. Então eu comecei a chorar. – Tá tudo bem. Eu entendo que esteja passando por algo com o qual você não consegue lidar sozinho, mas eu tô aqui pra te ajudar. Vamos superar isso tudo. – Não, essa não era a questão. Ele não fazia ideia… Eu estava ofegante enquanto ele acariciava meu rosto e olhava em meus olhos. – Vamos dormir juntos, ok? – Seu cheiro estava tão forte agora… E ainda mais enquanto seus lábios se aproximavam, e quando tocaram os meus… Eu pirei.

Quando dei por mim, eu estava coberto de sangue.

SawdustOnde histórias criam vida. Descubra agora