— Elliot sempre foi legal com todos no orfanato. – Annah, minha ex-namorada que também cresceu comigo, disse quando foi chamada para testemunhar. – Ele era divertido. Ao menos nós, meninas, gostávamos muito dele. Eu gostava muito dele. Os meninos nem tanto, eles sempre implicavam e faziam travessuras, mas não era nada sério e ele nunca mostrou nenhum ressentimento quanto a isso. O Elliot só brigava quando era pra defender alguém. Como namorado, ele era bastante gentil… Tanto que eu decidi terminar com ele, pois pude perceber o quanto ele estava sofrendo ao ter que fingir ser alguém que não era. Sinceramente, saber que ele matou alguém me parece surreal, o Elliot com quem eu cresci jamais faria algo assim. Só se ele tivesse enlouquecido.
— Esse cara era suspeito desde o início. – Um dos amigos de Grayson estava testemunhando agora. – Ele era muito grudento, sempre fazendo cena quando o Grayson saía com a gente, chorava na frente de todo mundo só pra receber atenção. Ele era emocionalmente abusivo, com certeza. Foi bom o Grayson ter ouvido a gente e caído fora dessa… Mas coitado do Jeff, ele caiu na armadilha, foi enganado pela falsa inocência e vitimismo, e acabou assim. – “Vitimismo”, mas que porra?! Eu sempre tentei ser legal com eles, mesmo sabendo que só fingiam gostar de mim. Como podem dizer isso se nem fizeram esforço pra me conhecer de verdade?
— Ele ainda era adolescente quando me tornei noviça. – Dessa vez era a Julia que testemunhava. – Elliot foi um dos órfãos com quem mais me conectei. Sendo uma criança que passou por tantos problemas, sua fé em Deus era admirável. Ele era disciplinado e bastante devoto, todos esperávamos que ele se tornasse padre ou ao menos continuasse trabalhando em disseminar a fé em nosso Senhor Jesus Cristo, mesmo que custasse sua individualidade. Ainda assim, não foi tão surpreendente quando ele nos deixou para experienciar o mundo, ele tinha o direito de fazê-lo. Apenas… Posso garantir que ele nunca cometeria um assassinato sem um bom motivo. Não o ensinamos a machucar pessoas.
— Não acreditem nessa porcaria de Jesus Cristo! – Era a vez de outro amigo do Grayson, ele olhou para o juiz depois de dizer aquilo. – Opa, desculpa. O que eu quis dizer é que, quem quer que o Elliot fosse no orfanato ficou lá, ele não tem fé em Deus ou em Jesus de jeito nenhum. E eu reforço o fato dele ser abusivo, o Grayson não podia nem sair sem ele, senão ele ficava ligando toda hora que nem aquelas garotas tóxicas que não deixam o namorado em paz.
Aqueles testemunhos eram perturbadores, não apenas os contra mim como também os ao meu favor, eles pareciam estar falando de duas pessoas diferentes… E, sinceramente, não sei se uma delas era o verdadeiro eu. Eu não era mais o garoto legal devoto à Deus, mas também não era um monstro como os amigos de Grayson estavam dizendo… Ou era? Afinal, quem eu era? Eu não sabia mais. Quem poderia me dizer…?
Um arrepio percorreu minha espinha quando vi a Irmã Janice andar até o banco das testemunhas. Ela parecia a mesma de sempre, seu rosto não havia envelhecido tanto desde a última vez que a vi… Aquela era a mesma Irmã Janice que me viu crescer. Será que era ela quem me conhecia melhor que todo mundo…? Mas as coisas mudaram bastante nos últimos anos, será que eu ainda era a mesma pessoa que ela conheceu?
— Madre, pode nos explicar sua relação com o réu? – Meu advogado perguntou após ela fazer o juramento.
— Conheço o Elliot desde que ele tinha sete anos, quando foi levado para o nosso orfanato. – Então eu tinha sete… Eu realmente pensei que fosse mais velho. – Fui diretamente responsável pela sua criação, sob a supervisão do falecido Padre Harrison, assim como a outras crianças que vieram morar conosco por volta da mesma época.
— A senhora notou algum comportamento violento enquanto ele estava sob seus cuidados?
— Mesmo que alguns meninos o tratassem mal, ele nunca se defendeu, nunca se virou contra alguém e nunca machucou ninguém na minha presença. Ao invés disso, Elliot costumava ir pra capela rezar. – Sim, eu lembro disso. Eu rezava para que Deus me fizesse agir como um garoto normal, mas isso nunca aconteceu. Ser afeminado era algo inconsciente. Eu rezava e rezava, e nada funcionava. Então, um dia, ela me mostrou o chicote. Ela me disse que eu seria absolvido de meus pecados se fizesse meu corpo sentir a dor de Jesus. Lembrar daquilo me deixava enjoado. Eu queria vomitar. – Acredito que ser violento contra os outros não está em sua natureza. – Concluiu. Eu não aguentava mais ouvir a voz dela, só queria que aquilo terminasse.

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Sawdust
HororApós afogar as mágoas na bebida por conta do término de seu namoro, Elliot Taylor acorda nu em uma oficina de marcenaria. Ele tenta lembrar o que aconteceu e, ao conhecer o belíssimo marceneiro, tira a conclusão de que dormiu com ele na noite anteri...