Jesus disse que devemos comer sua carne e beber seu sangue para que possamos obter a vida eterna, foi o que me ensinaram no orfanato. Simbolicamente, claro. Não é? De qualquer forma, minha própria existência me afastava de Seu caminho então eu sabia que não importava o quanto de sua "carne" comesse ou o quanto de seu "sangue" bebesse, eu jamais teria um lugar no paraíso. Quando finalmente percebi que todos eram pecadores eu já estava quebrado, então passei a odiar Jesus e a qualquer coisa relacionada à Sua fé... Mas eu ainda queria me alimentar dele. Ainda queria ir pro céu.
Mas será que tem espaço no céu para alguém como eu?
- Quero ir ao banheiro. - Era a única frase a sair da minha boca depois daquele dia.
Não sei quanto tempo havia se passado, mas acho que foi mais de uma semana. Chegou uma hora em que ele parou de me trazer o balde e passou a me levar pro andar de cima, pra eu poder usar o vaso. Até me permitia tomar banho de vez em quando e levou alguns livros pra eu ler, os quais eu mal toquei. Eu praticamente só dormia ou ficava quieto. Às vezes, lágrimas rolavam pelo meu rosto incontrolavelmente, mesmo que eu não estivesse sentindo nada.
Um dia ele passou a me soltar da corrente durante o tempo em que ficava lá. A porta provavelmente estava trancada, é claro, mas nada me impedia de bater nele com uma ferramenta pra roubar a chave e fugir... Mas eu não fiz isso. Apenas fiquei lá, deitado no colchão. Não estava com medo nem nada do tipo, só não tinha energia pra brigar e nem correr, mesmo que ele estivesse me alimentando e cuidando bem de mim.
Bem até demais, na verdade. Além do banheiro e dos banhos, passei a ter três refeições ao dia. Ele sempre me dava uma nova muda de roupas, e até penteava meu cabelo ou me dava comida na boca quando eu não tinha energia pra fazer isso. Era como se estivesse cuidando de alguém doente... Acho que ele já estava acostumado. Também me dava máscara e óculos de proteção quando ia trabalhar, o que era um alívio pois era difícil suportar aquela serragem sem eles, mesmo que eu ficasse de olhos fechados praticamente o tempo todo.
- Ei, você pretende continuar assim? - Ele parou o corte de um tronco pela metade, só pra perguntar.
- Assim como...? - Falei, com a voz arrastada.
- Assim, parado sem fazer nada. Você mal se mexe, se não fosse imortal eu ia achar que morreu.
- Isso te incomoda?
- Sim.
- Então para de ficar olhando pra mim. - Me virei de costas, e tirei os óculos de proteção pra secar as lágrimas que começaram a cair.
Afinal, o que ele queria de mim? Viver não fazia sentido, eu nunca mais iria sair dali então não tinha motivos pra fazer nada. Eu só queria continuar dormindo pra fazer o tempo passar mais rápido, e foi isso que eu fiz. Se ao menos meus sonhos não fossem em sua maioria pesadelos febris e delirantes, que me faziam acordar aos gritos com a imagem do meu corpo sendo cortado em pedaços e posteriormente servido como hóstia aos órfãos, além de outras coisas que me pareciam menos cruéis.
- Ei! - Ouvia sua voz, ao longe, mesmo que ele estivesse perto de mim. - Para de gritar. - Ele tentava me segurar, e, após chorar muito em seus braços fortes e quentes, eu finalmente consegui respirar.
- Grayson...?
- O que? Não-
- Grayson, não me abandone mais. - Me aconcheguei em seu pescoço, tentando sentir seu cheiro. Aquele não era o cheiro do Grayson, mas não importava. Só queria que alguém me confortasse. - Eu sinto tanto a sua falta... Me ajude a parar de chorar, como você costuma fazer. - Pedi, levando a mão à sua calça. Mas antes que eu pudesse tocá-lo, ele segurou meu braço.
- Não sou o seu ex. - Finalmente olhei para o seu rosto, então me lembrei da minha situação. Lembrei que era ele o responsável por isso tudo.
- Não toque em mim! - O empurrei, voltando a chorar.
- Cara, você tá ficando maluco. - Owen falou. - E isso é culpa minha. Eu sinto muito.
- Eu sempre fui assim.
Sim, eu sempre tive crises, delírios e pesadelos... Não é como se estar ali tivesse feito as coisas piorarem, só voltou o que havia diminuído enquanto eu estava com o Grayson. Mas não importava o quanto eu dissesse isso, ele insistia em se desculpar, só que aquelas desculpas não eram por arrependimento. Tenho certeza de que ele só estava cansado de ter que lidar com alguém como eu. Logo, Owen também iria me abandonar.
- Eu não achei que fosse ser assim. Sinto muito.
Alguns dias depois, ele saiu e deixou a porta aberta.
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Sawdust
HorrorApós afogar as mágoas na bebida por conta do término de seu namoro, Elliot Taylor acorda nu em uma oficina de marcenaria. Ele tenta lembrar o que aconteceu e, ao conhecer o belíssimo marceneiro, tira a conclusão de que dormiu com ele na noite anteri...