“Uma vítima ou um cúmplice”... O que ele queria dizer com isso? É claro que não era um cúmplice, eu fui sequestrado! Mas ele não tinha certeza disso, né…? E também, eu certamente comi uma pessoa, e fui eu quem influenciou o Owen a matar sua mãe, então… Será que eu era mesmo só uma vítima?
— Olha, não estou aqui pra te julgar. Pelo contrário, meu trabalho é encontrar uma forma de provar sua inocência.
— Mas eu não sou inocente, eu matei o Jeff.
— Dependendo das circunstâncias, você pode ser. Podemos transferir a culpa para Owen Hart.
— Não, eu não quero isso! Não é culpa dele, ele não me disse pra matar ninguém.
— Mas é possível que ele tenha te influenciado?
— Como?
— Me conte a história toda, do início.
Mas nem pensar. Ele estava tentando passar a culpa pro Owen, eu não ia deixar. O que eu queria era ficar preso junto dele até sua execução, daí eu me mataria pra poder sair e ele provavelmente também ressuscitaria. Era esse o meu plano, e eu não ia deixar ninguém arruiná-lo.
— Não quero que o Owen seja culpado pela morte do Jeff.
— Elliot, pense bem. Ele vai receber a pena de morte de qualquer maneira, mas você pode se livrar. Eu te conheço, tenho certeza de que isso só aconteceu por causa dele, você não é perigoso.
— Tá mesmo dizendo que eu não sou perigoso?
— Claro que não é.
— Então me conta o que aconteceu quando eu tinha quinze anos, me explique o motivo de você ter que ir me tirar de uma confusão.
— Você não sabe?
— Não lembro de porra nenhuma, me conta!
— Ok… Eu tive que intervir pois você mordeu o rosto do seu irmão adotivo.
— Hah! E ainda diz que não sou perigoso.
— Foi auto-defesa, ele estava abusando de você. – Ele tava mentindo, né? Como eu não ia lembrar de ser abusado a ponto de morder alguém? – Não se preocupe, esse assunto nem mesmo foi levado à delegacia. Fizemos um acordo com os pais dele, então não será um problema no seu caso.
— Ainda assim, isso significa que eu já fui violento. Eu tinha isso em mim, não foi culpa do Owen.
— Elliot, por que está defendendo ele?
— Eu o amo. – Ele me encarou por um momento, sério, então pegou alguns papéis dentro de uma pasta.
— A pessoa nesta foto é você, não é? – Perguntou, me mostrando uma imagem de mim mesmo com marcas roxas em volta do meu pescoço. Aquele era uma das fotos que Owen havia tirado de mim enquanto eu estava morto.
— Sim.
— E quanto a essa? – Ele me mostrou outra foto, com tanto sangue que eu mal podia reconhecer que o que eu estava vendo era uma pessoa. Mas lá estava meu rosto, cortado ao meio, e lá estava o meu corpo em pedaços, meu cérebro e minhas entranhas espalhados dentro de uma mala. – E essa? – Me mostrou mais uma, onde minha cabeça estava separada do meu corpo.
— Chega. – Pedi. Me ver naquela situação estava fazendo minha cabeça parecer que ia explodir.
— Tudo bem. – Ele guardou os papéis, mas eu já estava querendo chorar. Por que ele fez isso? Aquilo era cruel… – De início eu pensei que essas fotos fossem editadas, mesmo que o perito não tenha encontrado evidências, mas agora que você me contou sobre suas capacidades regenerativas tudo fez sentido. Porém… Bem, acho que pode ter alguma razão para você ter se apaixonado pela pessoa que fez isso contigo. Irei solicitar uma avaliação psiquiátrica.
— O que? Eu não sou maluco!
— Não estou afirmando que seja, e sim que você passou por um grande trauma que precisa ser tratado.
— É, eu já tentei isso antes. Não ajudou em nada.
— Fazia uso de medicamentos?
— Não.
— Provavelmente deveria, isso pode te impedir de ferir outras pessoas.
— Eu não matei por ter perdido a cabeça, Edward. Eu estava com fome.
— Meu nome é Edwin. Essa sua falta de memória é mais um motivo para você precisar de uma avaliação psiquiátrica. – Huh… Eu nunca havia pensado nisso, achava que era normal não lembrar de algumas coisas… Mas meus problemas de memória sempre me incomodaram.
— Medicamentos ajudariam com isso?
— Provavelmente.
— Então tá bom. Vou concordar, mas ainda não quero que o Owen seja responsabilizado. Você precisa dar um jeito de me transferir pra onde ele está.
— Não posso garantir isso, não sou eu quem decide.
— Então me deixe ao menos vê-lo novamente.
— Ah, isso certamente irá acontecer. – Minha boca se curvou para cima. Se eu pudesse encontrá-lo e ao menos beijá-lo, conseguiria fazer com que ele bebesse um pouco do meu sangue. Assim, ele seria imortal. – Agora, me conte o que aconteceu.
— Ok.
Contei tudo o que podia lembrar, desde quando acordei na marcenaria de Owen até quando ele me deixou ir embora. Falar sobre como ele me torturou não foi fácil, eu chorei muito ao lembrar de quando ele me fez passar fome e levou uma de suas vítimas pra eu comer. E eu ainda teria que repetir aquilo várias vezes… Isso me fez pensar melhor, será que eu queria mesmo salvá-lo? Eu estava mesmo apaixonado por alguém como ele ou era apenas a minha mente tentando diminuir meu sofrimento? Quanto mais eu falava sobre isso, mais confuso eu ficava… Porque eu realmente gostei do nosso último momento juntos.
Mais tarde, fui transferido para outro presídio. Eu ainda estava na solitária, mas comecei a tomar remédios após ser diagnosticado com Transtorno do Estresse Pós-traumático, e alguém jogava ratos ou pássaros recém-mortos na minha cela todos os dias. De início aquilo me assustou pois… Que porra era aquela, né? Em qualquer outra situação aquilo ia parecer uma ameaça, mas eu logo percebi que provavelmente foi providenciado pelo Edwin, era a única forma de eu me alimentar naquelas circunstâncias, e funcionou.
Algumas semanas depois, chegou o dia do meu julgamento.
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Sawdust
HorrorApós afogar as mágoas na bebida por conta do término de seu namoro, Elliot Taylor acorda nu em uma oficina de marcenaria. Ele tenta lembrar o que aconteceu e, ao conhecer o belíssimo marceneiro, tira a conclusão de que dormiu com ele na noite anteri...