1 - Serra

478 36 19
                                    

Não sei como aconteceu. No instante anterior eu estava bebendo sozinho na boate, e no seguinte eu me encontrava nu, deitado sobre uma mesa de madeira em uma oficina desconhecida. Estava frio e meu corpo doía tanto que parecia que eu tinha acabado de ter a pior febre da minha vida, por isso foi muito difícil pra eu levantar. Enquanto eu esperava meu corpo ser capaz de se mexer, comecei a tentar lembrar da noite passada pra ver se eu conseguia descobrir o que tinha acontecido.

Era sexta, e minha semana tinha sido uma bosta completa. Meu trabalho como atendente de telemarketing era chato como sempre e minha chefe continuava sendo uma filha da puta, mas isso não era nada fora do normal. A merda que aconteceu pra me fazer querer ficar bêbado foi que meu namorado... Na real, ex-namorado agora. Ele me mandou um zap na sexta de manhã pra anunciar nosso término. Legal, né? Haha, ele terminou comigo por mensagem. Mas que porra...

Eu to rindo agora mas passei a semana toda querendo morrer, só que eu tinha que trabalhar né, então tive que disfarçar. Sabe, eu sou bem responsável. Eu precisava do emprego pois tinha acabado de me mudar pra um apartamento um pouco maior, pra que eu e aquele merda pudéssemos morar juntos depois que ele voltasse da sua viagem de negócios de dois meses no Canadá... Mas pensando bem, acho que não seriam só dois meses porque aquele filho da puta sempre disse que queria se mudar pra lá. Era tão difícil assim ser sincero?! Enfim, chega de falar dele. Bora tentar lembrar.

Ah é, eu liguei pros meus amigos pra reclamar do desgraçado mas... Que amigos, sério? Meu namorado vivia reclamando dos meus velhos amigos, falando que eles me faziam mal, então eu acabei me afastando de todo mundo só pra gente não brigar mais. Os únicos com quem ele não implicava na verdade eram mais amigos dele, que eu só conheci por causa dele. Mas ainda assim, ele sempre ficava com ciúmes dos caras... Às vezes até das meninas, já que eu tive uma namorada na adolescência ele tinha medo que eu descobrisse que eu não era gay e terminasse com ele... Mas eu só namorei uma menina por ter sido criado num orfanato católico e ter precisado disfarçar. No fim, foi ele que terminou comigo né. Eu devia ter adivinhado.

Enfim, já que eu não tinha mais namorado e nem amigos, saí pra beber sozinho e chorar as pitangas... Ah, lembro de ter deixado o celular cair enquanto mandava um áudio idiota pra alguém dizendo que sentia saudades, isso aconteceu porque um cara esbarrou em mim. Ele sorriu e pediu desculpas, daí saiu com pressa. Ele era um gato, lembro de ter pensado isso mesmo sem me recordar exatamente de como ele era. Daí eu voltei a beber e... E depois o que? Aliás, cadê meu celular? E minhas roupas?

Já que meu corpo estava melhorando, levantei pra tentar achar... Mas será que o encontraria ali? Eu estava numa marcenaria, com pedaços de madeira e ferramentas espalhadas em todo canto. Bem bagunçada, na real. Acho que o dono daquele lugar tava trabalhando em algum projeto, já que tinha uma daquelas mesas super legais de madeira e resina azul, igual aquelas do tiktok, mas ainda inacabada.

Bem, já que minhas coisas não estavam ali elas provavelmente estariam em outro lugar... Mas a porta tava trancada. Aquilo era meio... Assustador, né? Sabe, eu estaria mentindo se dissesse que não já estava com um pouquinho de medo mas eu realmente achei que só tinha ficado bêbado e saído com um cara qualquer porque não seria a primeira vez, mesmo que a última tivesse sido há tempos, mas... Quem diabos me trancaria?

Novamente, tentei lembrar o que aconteceu. Eu fui no banheiro depois de derrubar o celular, não fui? E tinha alguém lá... Quem? Enquanto eu pensava, ouvi a porta destrancar. Eu tava com muito medo agora, se fosse um sequestrador eu tinha que me preparar então peguei a primeira ferramenta que eu conseguia alcançar. Um martelo. Ótimo! A porta abriu, devagar, e eu me preparei pra briga. Eu só podia rezar pra não ser um cara gigantesco que poderia me apagar com um soco, fora isso eu imaginava que um sequestrador seria um nojento horroroso igual nos filmes. Por isso eu fiquei chocado quando vi o cara que abriu a porta porque... Puta merda!! Ele era gato pra cacete!

Um rostinho bonito, olhos pequenos com olheiras, belos lábios, cabelo bagunçado abaixo do ombro, barba mal feita... E parece que tinha um corpaço também! Não tinha como aquele cara ter me sequestrado, né? É óbvio que o meu eu bêbado sairia com ele porque o meu eu sóbrio faria o mesmo.

— Ei, larga isso. – Ele falou, parecendo tão chocado quanto eu. Talvez ele também não lembrasse da noite passada? Ou talvez eu tivesse assustado ele com o martelo. É, provavelmente era isso. Dã.

— Desculpa. – Ri de nervoso, colocando a ferramenta onde eu havia pego. – Então... Sobre a noite passada...

— O que é?

— A gente... Sabe... – Ele suspirou.

— Você lembra o que aconteceu?

— Desculpa, acho que eu bebi demais... – Ele sorriu. Peraí, aquilo era um sorriso malicioso ou maléfico? As sobrancelhas dele eram esquisitas, não dava pra saber... Ah, mas aquela expressão me fez lembrar de uma coisa! Noite passada ele fez a mesma cara enquanto apertava meu pescoço. Claro, eu devo ter pedido pra ele fazer aquilo porque eu sou desse tipo. – Ah é, você me enforcou! – Ele ficou sério novamente e fechou a porta. Merda... Ninguém é perfeito, né? Ele provavelmente odiou ter feito aquilo. – Desculpa, você não curtiu? Não tinha problema se você não fizesse mas, bem, aposto que você também tava bêbado e eu devo ter insistido... Enfim, desculpa. Eu não tava muito legal ontem.

— Do que você ta falando? – Ele perguntou, andando até a mesa no meio do cômodo. Não era a mesma onde eu acordei, aquela era encostada na parede. Ele apertou um botão que tinha embaixo e a serra de metal atrelada à mesa começou a girar. – Eu adorei. Ver a sua cara enquanto ficava sem ar foi delicioso. – Isso, porra... Quer dizer, mas que porra! Não acredito que eu dei pra um cara desses mas não consigo nem lembrar!

— Então a gente transou mesmo ontem? – Ele me encarou, então riu e depois ficou sério.

— Não. – Eu buguei. Se ele me enforcou mas não transamos, então o que...? O observei colocar um avental e uma máscara de proteção.

— O que... O que quer dizer com isso? – É claro que transamos. Talvez esse seja o motivo do meu corpo estar doendo tando mas... Minha bunda tava ok, eu acho? Que confuso. Mas é óbvio que ele tava tirando uma com a minha cara.

— Chega aqui pra eu te explicar. – Ok, nem eu seria tão burro a ponto de ficar pelado perto de uma serra.

— Não, vem aqui você. Eu não vou chegar perto dessa coisa. – Ele suspirou, mas desligou a máquina.

— Vem. – Sorriu, me convidando, e eu acabei segurando sua mão. Então ele me puxou pra perto.

— Sabe, eu to com frio. – Falei, olhando em seus olhos. – Pode me trazer minhas roupas?

— Pra que você quer elas? As coisas serão mais fáceis se você continuar nu. – Eu ri. É óbvio que a gente transou ontem.

— Hm, que tarado!

— Não me leve a mal. Você é bem bonito, mesmo. – Ele tocou minhas bochechas, de leve. – Seu rosto, seu corpo... – Continuou, levando os dedos ao meu peito e me fazendo arrepiar. Gemi, aquele toque me excitou e ele percebeu. E afastou sua mão do meu corpo. Provocando, é? – Mas você ao menos sabe meu nome, Elliot? – Mas que porra? Ele tava puto por causa disso? Mas assim, ele sabia meu nome então eu deveria saber o dele, né...?

— Desculpa. – Ri, nervoso. – Tenho certeza de que você me disse mas eu tava bêbado demais pra lembrar. – Ele se virou de costas pra mim, colocando as mãos sobre a mesa. – Qual é, não me culpe por isso. – Ouvi um clique, e a serra voltou a girar.

— Então por que acha que eu iria te foder? – Se virou abruptamente, segurando minha cabeça. Foi aí que eu finalmente entendi o tamanho da merda na qual eu havia me metido.

— Peraí, o que você tá fazendo?! Para! – Ele me empurrou pra mesa, tentei lutar contra mas ele era muito forte. Meu rosto se aproximava cada vez mais da serra, não importando o quanto eu tentasse escapar. Ele forçava seu corpo sobre o meu, segurando minha cabeça no lugar com uma mão enquanto me empurrava pra baixo com o outro braço. – Por favor, não faz isso! Por que eu? O que eu fiz?!

— São caras como você que eu mais desprezo no mundo. – Disse, e me empurrou com mais força. A serra atingiu meu rosto, espalhando sangue pra todo lado. Doeu. Pra caralho. Eu pensei que eu tinha morrido, tipo, qualquer um teria morrido com aquilo mas... Um treco bem esquisito aconteceu.

SawdustOnde histórias criam vida. Descubra agora