Não sei por que aquela memória voltou naquele momento. Aliás, aquilo era uma memória ou uma fantasia criada pela minha mente para justificar meu gosto por sangue humano? De qualquer forma, era melhor fingir que não aconteceu pois pensar demais sobre isso seria desastroso. Eu sei, eu sempre soube que haviam muitas coisas escondidas na minha cabeça, mas lidar com tudo agora isso seria impossível.
Se o processo de cura que Jeff queria que eu passasse significava que eu teria que lembrar, acho que eu não seria capaz de me curar. Por isso decidi, no momento em que lembrei daquilo, que seria melhor fingir. Iria colocar aquela máscara novamente, aquela que Owen arrancou do meu rosto. Mesmo que estivesse quebrada, eu ia juntar as peças.
- Já está de pé? - Jeff perguntou ao me encontrar na cozinha na manhã seguinte, eu estava tentando fazer um café mas não sabia como mexer naquela máquina.
- Bom dia! - Sorri.
- Bom dia. - Ele respondeu, apertando o botão que fez aquela coisa funcionar.
- Ah, valeu.
- Você dormiu bem?
- Sim! - Aquilo era mentira. Eu não dormi nem um pouco, passei a noite procurando informações sobre a prisão de Owen, mesmo não achando nada além do que eu já sabia. Fazer isso me fez pensar com mais clareza e chegar a uma conclusão: Aquilo havia acabado, e quase parecia nem ter acontecido. Eu logo seria capaz de esquecer.
- Como você tá se sentindo?
- Bem.
- Mesmo? - Perguntou, e eu pude perceber a dúvida em seu tom.
- Mesmo. - Me aproximei para abraçá-lo. - Graças a você, me sinto melhor. - Ele me encarou, franzindo as sobrancelhas.
- Certo... Mas você não vai fugir da terapia, marquei pra hoje.
- Hoje? Que rápido...
- Eu tenho uns conhecidos na área, disse que era uma emergência.
- Não precisa fazer isso por mim.
- Preciso sim, porque eu te amo. - Sorri, sem graça. Aquilo era um problema. Sua ajuda não fazia eu me sentir melhor, pelo contrário. Eu sentia que devia algo a ele, e não acho que seria capaz de retornar o favor. Ainda assim, precisava fingir estar melhorando, então dei um beijo em sua bochecha.
- Obrigado. Qual a forma de pagamento? Eu tô sem meus cartões...
- Não precisa pagar nada, eu já resolvi.
- Ah, não! Me passa a sua conta, vou transferir agora.
- Elliot, foi bem caro. Você está desempregado e seu emprego anterior nem pagava tão bem. Eu ganho mais do que suficiente, não se preocupe. - Ah sim, claro, ele é TI de uma multinacional. Mas eu não gosto disso, não quero sentir como se estivesse devendo mais do que já devo.
- Tudo bem, eu vou encontrar um emprego e um lugar pra morar assim que possível, daí vou poder te pagar.
- Não precisa ter pressa, foque em melhorar. Procurar emprego agora seria muito estressante.
- Mas eu não quero ser um peso...
- Você não é, Elliot. Nunca será. - Eu segurei uma risada.
Como ele pode dizer isso? Assim que ele descobrir que eu gosto de comer pessoas, tenho certeza de que vai me expulsar daqui. Sinceramente, olhar pra ele estava me deixando maluco. Como pode? Será que ele pensava que seria o meu herói ou algo assim? Que aquelas porras de "Eu te amo" iam apagar todas as merdas pelas quais eu passei?! Aquela droga de inocência dele só me fazia querer morder seu pescoço e arrancar sua carne... Mas eu tinha que fingir ser normal, então rapidamente peguei meu café e voltei pra sala de estar.
- Peraí, não vai comer nada?
- Não to com fome. - Outra mentira. Mesmo tendo pedido outra peça de carne enquanto ele dormia, eu ainda tava com uma puta fome. Não sei por quanto tempo eu iria aguentar sem comer alguém. Mas o Jeff não podia saber disso.
Porque eu precisava dele.
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Sawdust
TerrorApós afogar as mágoas na bebida por conta do término de seu namoro, Elliot Taylor acorda nu em uma oficina de marcenaria. Ele tenta lembrar o que aconteceu e, ao conhecer o belíssimo marceneiro, tira a conclusão de que dormiu com ele na noite anteri...