3 - Doença

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Eu não morri. Não, na verdade eu acho que morri mas voltei à vida de novo, sem ferimentos. Dessa vez ele não estava lá, então tive tempo de pensar na minha situação. Eu estava completamente nu e acorrentado à mesa, que era presa ao chão por parafusos. Se eu conseguisse desparafusá-los provavelmente seria capaz de sair, mas ele havia tirado todas as ferramentas de perto.

Não tinha objeto algum ao meu alcance, mesmo que eu tentasse pegar com o os pés. Aquele desgraçado não era burro, ele me acorrentou pelo pescoço pra eu não conseguir escapar. Sendo capaz de me regenerar, eu não teria medo de deslocar minha mão ou meu pé já que eu conseguia lidar bem com dor, mas como a corrente estava no meu pescoço eu só poderia escapar se cortasse minha cabeça, só que isso era impossível de fazer sozinho.

Enquanto eu observava o local, meu estômago roncou. Eu não sei por quanto tempo eu estava lá mas era o suficiente pra fome ser dolorosa, agora que eu havia relaxado um pouco pude sentí-la junto com a fraqueza em meus membros.

Além disso tudo, ele me deixou nu e sujo. O local parece ter sido limpo recentemente, não tinha manchas de sangue mas cheirava a água sanitária e, não sei como eu sabia disso mas era assim que se livrava desse tipo de mancha. Em meu corpo também não havia sangue mas... Acho que eu tinha absorvido de volta, ou algo assim? Eu não sei como isso funciona, mas parecia ser isso. Já que eu ainda estava sujo com a terra do local onde ele ia me enterrar, ele não podia ter me limpado. E também, eu estava coberto por suor e pó de madeira, era grudento e coçava. Bem nojento. Enquanto eu tentava me limpar, sem sucesso, a porta abriu.

— Ei, eu tô com fome! – Falei assim que ele entrou. – Também preciso tomar banho, e que me traga algumas roupas. – Ele me encarou, e respirou fundo antes de falar.

— Tá pensando que é visita?

— Não é como se eu estivesse aqui por vontade própria, você poderia ao menos me tratar como um ser humano.

— Não te falei? Você não é mais humano.

— E de quem é a culpa?

— Sua. – Ele jogou uma pilha de papéis na minha direção, que se espalharam no chão. – É sexualmente transmissível, então se você não fosse do tipo que sai por aí com qualquer um, não teria pego.

— Agora você é quem não sabe do que tá falando. Mas que merda tem nesses papéis?

— Informações sobre a sua doença, já que você parece desinformado.

— E por que eu acreditaria em baboseiras de incel?

— Você pode acreditar ou não mas está vivo, não está? – Merda, ele tinha razão. Mas saber mais sobre essa doença era a menor das minhas preocupações. – Aliás, isso daí é vazamento de uma base militar então não é baboseira.

— Aposto que é fake. Acha mesmo que uma base militar deixaria esse tipo de coisa vazar?

— Você pode pensar o que quiser, mas logo a mídia vai estar falando sobre isso... Ou podemos checar a veracidade repetindo os experimentos, o que acha? Tenho certeza de que vai ser divertido te matar várias e várias vezes.

— Pode fazer isso se quiser, talvez assim encontre uma forma de me matar de vez. – Ele riu.

— Olha, não foi você que me implorou pra não enterrar sua cara na serra há dois dias?

— Peraí, dois dias?

— Leva oito horas pra você voltar à vida, então é um pouco menos que isso.

— Por isso que eu tô com tanta fome! E sede, me traga água e comida! – Ele suspirou, e se virou. De início eu pensei que ele tava indo fazer o que eu pedi mas, ao invés de abrir a porta,  pegou o avental que estava pendurado atrás dela. – Ei, você vai me matar de fome?!

— Esse é o plano.

— Que?!

— Não há registros de gente como você que passou fome por muito tempo, então vou ver o que vai acontecer. Se isso te matar, finalmente estarei livre desse problema.

— Você quer mesmo que eu morra?

— Claro que sim, você é um incômodo.

— Achei que tivesse mudado de ideia e quisesse fazer experimentos em mim...

— E por que eu faria isso?

— Pra ser imortal, talvez?

— Daí meu plano de me matar se a polícia me pegar não vai acontecer. – Aquilo fazia sentido, mas...

— Espera... Você tá falando como se eu não fosse o primeiro. – Ele riu novamente, que irritante. Era óbvio que ele tava tirando uma com a minha cara.

— O que foi, achou que fosse especial?

— Ah, merda, você é um serial killer!

— Ok, chega de concersa. – Falou, colocando fones no ouvido e pegando um pedaço de madeira. – Preciso trabalhar.

— Peraí, quantas pessoas você matou?! – Ele me ignorou, ligando a serra acoplada à mesa. – Me responde, seu merda! – Começou a cortar a madeira, espalhando pó pra todo lado. Tossi. Ele estava usando uma máscara mas eu não, e aquilo fazia meus olhos arderem e secava minha garganta, me deixando com ainda mais sede. – Ao menos me dê uma máscara! – Ele me olhou, e se virou novamente. Então aquele fone não estava tão alto assim, né? Eu tinha que descobrir. – Ei, Owen! – Seus ombros mexeram, alerta. Como pensei, ele conseguia me ouvir. – Então esse é mesmo seu nome... Sei que consegue me ouvir, me dá uma máscara! – Continuou a me ignorar, então decidi tentar outra coisa. – Bastardo! Que tal a gente falar da sua mãe, hein?! Você via aquela puta transando com todos aqueles caras? – Ele pegou a tábua recém-cortada e bateu contra a mesa, quebrando-a na metade. Sorri.

— Porra, você é irritante! – Ele desligou a serra e pegou uma fita adesiva antes de vir até mim. – Você tem alguma noção da sua situação? O que é isso pra você, um circo? Acha que as cortinas vão se abrir e vai ter um público aplaudindo sua performance?!

— Do que você tá falando? O que você vai fazer?!

— Vou calar a porra da sua boca.

— Espera, é só me dar o que eu pedi que eu fico quieto! Eu sou alérgico a fita adesiva!

— Quem caralhos é alérgico a fita?

— Essa daí tem látex!

— Você não percebeu ainda, porra? Eu não tô nem aí! – Ele pegou meu braço e eu tentei escapar, tentei socá-lo mas ele chutou minhas pernas e me fez cair de barriga, sentou-se sobre mim e segurou meus braços para prendê-los juntos.

— Seu filho da puta! Assim que perceberem que eu sumi vão procurar por mim e você nem vai ter tempo de se matar antes da polícia te achar!

— Quem vai procurar? – Ele riu. – Eu sei por que você se odeia tanto, não tem família nem amigos e seu namorado te largou. Eu mandei pra ele algumas fotos de quando você tava morto, mas ele nem respondeu, não tá nem aí.

— Você mandou o que?! – Ele riu, e se levantou. – Seu mentiroso, tenho certeza de que ele tá preocupado. Só porque a gente terminou, não quer dizer que ele não se importa mais comigo.

— Não fique esperançoso. – Falou, abaixando a calça. Eu tremi.

— Ei, o que você vai fazer?! – Perguntei, desesperado, quando ele começou a tirar a cueca. – Você não vai me estuprar, né?! Se fizer isso, vai pegar minha doença! Você mesmo disse, é sexualmente transmissível!

— Cala a boca. – Ele levou a cueca ao meu rosto, cobrindo meu nariz e boca. Aquilo era tão nojento, cheirava a saco suado e, antes dele colocar na minha cara, pude ver o quão amarelado o tecido estava. – Você queria uma máscara, aí está.

— Desgraçado, tira isso da minha cara! – Minha voz estava abafada pelo tecido mas ainda podia ser ouvida, então ele terminou o serviço prendendo a cueca com a fita adesiva. Eu esperneei e gritei, mas nada ajudou. Ele voltou ao trabalho e nem mesmo olhou mais pra mim.

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