Capítulo 92

18.6K 1.1K 786
                                    

Borges

"Durante a madrugada deste sábado, foram realizadas gravações que evidenciam um confronto direto entre traficantes, do morro do Barbante, na Ilha do Governador, e policiais. Vídeos gravados, por moradores, evidenciam a violência e destruição presentes no conflito. No geral, restaram 19 mortos, entre eles bandidos e serventes do Estado, e 15 feridos. O motivo da intromissão policial foi por denúncia de fortes indícios de tráfico na região, traremos mais notícias no decorrer da investigação dos fatos."

Sentado na cadeira vermelha de plástico, eu assisto o que tá passando no noticiário da manhã, olho cada imagem, memorizando tudo que tá sendo noticiado e o que nem precisa. O fato de ter ocorrido um confronto entre a polícia e os envolvidos do Barbante, me faz ter a certeza de que eu fiz certo em desistir de invadir na madrugada de hoje e o sonho que eu tive foi um aviso.

Foi um aviso pra prevenir de acontecer alguma parada, da qual eu não tenho noção. Mas ao mesmo tempo que me deixa aliviado, me deixa na neurose, porque foi a segunda vez que eu sonhei com ela e nesse sonho ela tava menor. Só fico pensando se eu vou acompanhar até no máximo os 5 anos, que foi a idade dela no meu primeiro sonho, nesse último sonho ela só tinha 3 anos. Todo sonho ela vai diminuindo a idade...

Aranha: Acertou pra caralho em desistir da invasão, porque se nós fosse, nessa madrugada, já era, patrão - ele passa o baseado pra mim e eu dou uma tragada longa, passando a mão pelo meu peito sem camisa - Ia ser um confronto entre três eixos, pra morrer era só um estalar de dedos.

Eu fico calado, degustando do sabor da minha maconha, olhando o jornal entrar em comercial. Olho pro local das reunião, vendo a televisão presa no suporte todo velho de madeira e o resto é só uma mesa enorme, o chão de cimento que se alastra por todo espaço, fazendo os passos ficarem irritantes pra minha audição, que hoje tá mais sensível que o normal. A parte que eu tô é revestida por um telhado de eternity, do meio pra frente é descoberto e a luz do sol deixa os meus olhos sensíveis, tendo a visão do meu morro daqui de cima.

Choco entra no local, deixando o fuzil preto, em cima da mesa de madeira, vejo a cintura dele refleta de pente e radinho, me fazendo subir o olhar pra ele, que vem na minha direção, ele faz um toque com o Aranha e depois comigo. O cara com a garganta tatuada se levanta e vai em direção ao parapeito da laje, enquanto o preto se senta ao meu lado.

Choco: Chegou os armamento pesado, o caminhão tá sendo desgarregado e já já os cara sobe pra passar a visão de tudo - eu confirmo, sentindo o vento fresco da manhã e a chama viva do baseado vai queimando vagarosamente, enquanto eu inalo, mais uma, vez a fumaça - Tá calado desde cedo, qual foi?

Eu: Tá ligado como eu fico nesses dias, não gosto disso, mas é preciso - falo baixo, encostando meu braço na quina da mesa retangular - Prefiro a paz, mas também não fujo da guerra, era pra ser ontem e pegar a madrugada toda, mas vai ser hoje, de hoje não passa.

Choco: Comando tá só esperando qual vai ser a sua, porque tu vai invadir um morro inimigo, então vai ter ataque de volta - eu balanço minha cabeça, tô ciente de todas as conquências, só não sei se vou ter cabeça pra enfrentar todas elas - Olha a gazela chegando aí.

Eu olho o Braz caminhando até a garrafa de café, enchendo o copo pequeno até o meio, dando um gole e depois enche de novo, dando outro gole. Ele me olha e sorri, mandando beijo, eu cruzo minha perna sobre o joelho e ele vem na minha direção.

Braz: Depois do confronto eu posso dormir contigo? Quero uma conchinha com você, amor - ele fala com a voz sonolenta e o Choco dá risada, enquanto eu fico calado - Sentir esse corpinho gostoso me abraçando, tu dorme comigo?

Eu: Pela manhã teu espírito de viado ataca pra caralho, fico só observando - ele sorri de canto, passando a mão pelo cabelo baixo e loiro, deixando o rosto dele mais maduro, mas ainda tem a cara de criança - Tocou no fuzil hoje? - ele se vira de lado e sorri me olhando - Chegou a carga agora, pô! Tô falando do teu pau não, porque se fosse se referindo a ele, eu não chamaria de fuzil, seria pistolinha mermo.

Além do ImpossívelOnde histórias criam vida. Descubra agora