10. Melancia

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Acordo com minha cabeça latejando e não consigo deixar de culpar ninguém além de mim mesma.

Eu não devia ter bebido tanto, muito menos aquele drink doce que a Denise me apresentou. Denise...

Algo me diz que iremos nos ver muito mais vezes do que eu poderia imaginar. Quem diria que após um show de mágica a minha vida que iria começar a ficar teatral. Reviro os olhos e começo a me arrumar para trabalhar.

Jennie corre até mim com uma xícara de chá e seu suco de caixinha. Ela se senta na cadeira de frente para minha mesa antes de perguntar se eu poderia atendê-la, sorrio para mim mesma.

— Aqui. Trouxe chá e esse é bom para ressaca- eu aceito a xícara que está saindo fumaça de tão quente.

Assopro antes de beber um gole. É chá de hibisco, um dos meus favoritos.

— Pode perguntar, eu sei o que você quer fazer- Jennie ri e bebe seu suco com o canudo azul de sempre.

— Então vou perguntar. Você não saiu daquele bar ontem, além disso eu observei de longe o olhar que vocês estavam trocando- faço uma careta e bebo mais um pouco do meu chá.

— Sai de casa esperando um barzinho, fui parar em um pub e, além disso, estava cansada, não fiquei lá no bar por causa da Denise, muito menos fiquei trocando olhares com ela- eu sei que é uma mentira e que Jennie não vai acreditar nas minhas palavras.

A verdade é que nem eu quero saber a verdade, porque eu ainda me recordo da sensação de ter o rosto da mágica tão perto do meu, do seu cheiro de melancia e como me senti estranha ao seu lado.

— Você quer beijar ela- quase me engasgo com meu chá e tenho que tossir algumas vezes para recuperara o fôlego.

Eu não estava esperando que Jennie fosse tão direta assim, apesar de ser uma característica da sua personalidade, esperava que pelo menos ela me daria a chance de levar meu tempo para descobrir sozinha. A minha reação já foi a resposta que ela precisava, nem se eu mentir vai adiantar.

— Então estou certa, você quer beijá-la. Por que não a chama para sair?- reviro meus olhos. Deixo a xícara de chá na mesa e ligo meu computador.

— Não começa, Jennie. Tenho que ler um manuscrito agora, a gente conversa no almoço- Jennie ri, toma mais um gole do seu suco e vai embora.

Desvio o olhar do computador e pego o manuscrito que comecei ontem, mas não cheguei nem na metade da leitura, coloco o fone de ouvido e escuto música enquanto retomo minha leitura.

∞∞∞

Quando olho para o horário no computador, já é hora do almoço. Olho ao meu redor e não consigo ouvir o som que normalmente tem para o lado de fora da minha sala, de pessoas falando, música, risadas, não tem nada.

Acho o silêncio estranho e saio da minha sala, mas não tem ninguém ao redor, as mesas estão vazias e está silencioso. Sinto meu corpo inteiro se arrepiar, mas de repente escuto vozes que parecem vir ao longe. O som está baixo.

Saio desse andar e vou para o hall, todos estão amontoados no hall. Até Jennie está no meio da multidão. Consigo ver o tom de azul e vermelho do lado de fora da porta, também reparo no som das sirenes. Me espremo entre todo mundo e vou até a minha melhor amiga.

Jennie está pálida e tremendo, não nota minha presença quando me aproximo.

— Jennie?- ela se sobressalta no lugar e me olha com os olhos arregalados.

— Ela.. Ela se... ela se jogou- consigo ver seus olhos enchendo de lágrimas.

— Quem?- presto atenção no cochicho das pessoas ao nosso redor.

"A menina do prédio vizinho se matou" "a menina pulou do prédio" "a polícia não chegou a tempo" "foi muito rápido" "coitada da família" "a garota do marketing viu tudo, coitada dela" "vocês ouviram o grito da Jennie? Ela vai carregar esse trauma para sempre"

Grito da Jennie? Como é que eu não consegui ouvir nada? Mesmo de fone era para eu ter escutado alguma coisa. Dou um passo para trás ficando assustada.

Seguro a mão da Jennie e puxo ela junto comigo para fora da multidão. A coloco sentada em uma cadeira do hall, vou até a mesinha da recepção, abro um pacotinho de açúcar, coloco em um copo descartável, adiciono água e volto até minha amiga.

— Aqui. Bebe isso- ela pega o copo de forma mecânica e bebe um pouco da água. Seu olhar distante, provavelmente se lembrando do que viu.

Pego meu celular no bolso do sobretudo e ligo para Tom.

— Preciso da sua ajuda- é a única frase rápida que penso em dizer para chamar sua atenção.

Consigo sentir a agitação de Tom do outro lado da ligação, até o som dele pegando a chave do carro com as mãos tremendo é possível ouvir.

— Alguém se jogou do prédio da frente, a Jennie viu tudo e não está nada bem, está tudo interditado na parte da frente, espera a gente na esquina, vou sair pelos fundos com ela- Tom concorda com meu plano e desliga a ligação.

— Vem, Jennie- eu a seguro pela mão e a puxo junto comigo para a porta dos fundos.

Como eu imaginei, tem dois policiais desse lado da rua também.

— Vocês não podem sair- um deles fala.

— Minha amiga não está bem, ela viu tudo. Foi ela que gritou e fez com que ligassem para a polícia. Ela está com Transtorno de Estresse Pós-traumático, precisa de ajuda médica- o outro policial olha para o que falou com a gente e trocam um olhar, após isso fazem uma afirmação com a cabeça.

— Vamos chamar alguém para acompanhar vocês- o policial número dois quem fala dessa vez.

— Meu irmão está esperando a gente no fim da rua, mas eu passo o endereço do hospital caso precisem- o policial concorda comigo e pede o endereço.

Entro com a Jennie no carro de Tom. Jennie continua sem falar nenhuma palavra, sua expressão pálida.

— Ela não está nada bem- meu irmão começa a dirigir para o hospital que sempre vamos quando ficamos doentes, o mesmo que eu passei o endereço para o policial.

— Ela viu um crânio se chocando com o chão, ela nunca vai ficar bem- Tom se arrepia só de ouvir essa frase.

Ficamos em silêncio até o caminho do hospital. Encosto minha cabeça na janela e me perco nos meus pensamentos. Sinto meu corpo inteiro se arrepiar.

Me lembro da última frase que li.

Me lembro da última frase que li antes de olhar o relógio para a hora do almoço e toda a merda começar.

"A história de verdade começa com um assassinato muito bem articulado, Jane vai ter que cavar tão fundo esses túmulos que são o passado para, no fim, tudo o que restar ser um espelho com um sobrenome."

Submersão de FênixOnde histórias criam vida. Descubra agora