5. Espanta monstros

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"Carrega de ouro as asas do pássaro e ele nunca mais voará pelo céu."

Rabindranath Tagore

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Eu poderia dizer simplesmente para Harvey que não queria ir, que eu não precisava ir, que não fazia sentido ir, quando minha estadia naquela realidade paralela não duraria por muito tempo. No entanto, ainda havia o grande porém de Harvey não entender absolutamente nada ou me internar em uma clínica psiquiátrica por me considerar um louco de pedra.

Por isso, ali estava eu. Engolindo uma torradinha às pressas, olhando sobre o ombro e avistando uma Lily sonolenta segurando a mochila da escola e parada em frente ao sofá, coçando um de seus olhos preguiçosamente.

Hoje seria o dia em que teria de enfrentar o meu emprego.

Droga, droga, droga!

O destino realmente me odiava.

Odiava-me tanto a ponto de querer me ver sofrer amargamente e, em seguida, que eu tenha de pedir por misericórdia.

Além disso, eu não fazia ideia de onde ficava o lugar no qual eu trabalhava e nem o que era. Só sabia que tinha um chefe, uma droga de chefe, e de que eu era um subordinado.

Harvey estava na correria com Jamie no segundo andar enquanto eu o aguardava e pensava em como tentaria tirar a informação sobre o meu emprego. Talvez perguntas casuais que me dessem um endereço ou até mesmo um direto onde fica meu emprego mesmo? poderia ser algo eficaz. Eu ainda não tinha me decidido sobre isso.

— Papai, você pode amarrar meu tênis? — Lily pediu baixinho e de forma sonolenta, indicando seu cadarço desamarrado e estendendo seu pé em minha direção.

Com o olhar ainda preso para o andar de cima, dei um suspiro e fui em direção à Lily que me aguardava. Agachei-me em frente a ela e peguei o cadarço para amarrá-lo.

— Eu queria aprender — sua voz infantil soou outra vez de forma baixa e levantei meu olhar.

— Aprender?

— A amarrar meu tênis.

— Ah! — Cocei a nuca sem realmente entender porque ela havia me dito isso. — Legal — Foi só o que eu soube dizer.

— Você pode me ensinar?

— Hm?

— A amarrar meu tênis.

— Você quer aprender comigo?

— Uhum.

— Bem... eu não sei... quer dizer... não sei se consigo te ensinar isso.

Lily se agachou em minha frente e sentou no chão, e me impressionei com o quão pequena ela era. A garotinha ainda permanecia com seus pés em minha direção e, com suas mãos, colocou algumas mechas de cabelo atrás da orelha.

— Como que faz? — indagou baixinho com um sorriso e me perguntei mais uma vez o que fazia aquelas pessoas sorrirem tanto, sinceramente.

— Olha. — Cocei a nuca novamente e peguei os cadarços sem saber direito o que fazer. — Eu não sei ensinar nada a ninguém.

Comecei a amarrar o cadarço de Lily e ela se aproximou para observar. Assustei-me com isso, é claro, e tive até mesmo de me afastar um pouco por estar tão próximo à garotinha que acreditava ser minha filha. Eu alternava o olhar do cadarço para a menina, notando ela desenhar no ar a forma como eu fazia, sentindo seus dedos se prenderem em minha mão para que eu fosse mais devagar e a ensinasse melhor a amarrar o tênis.

Destino EstranhoOnde histórias criam vida. Descubra agora