2. Fraldas sujas e dores de cabeça

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"Imagine uma nova história para sua vida e acredite nela."

Paulo Coelho

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Eu podia sentir o olhar de Harvey sobre mim. Aqueles olhos esverdeados de um tom diferente de tudo que eu já tinha visto me perfuravam na tentativa de descobrir o que havia de errado, pois, por sua expressão durante todo o café da manhã, ele sabia que o Luc que conhecia não estava presente naquele momento.

No entanto, eu não me importava se ele sentia falta daquele Luc que parecia ser a versão contrária a minha. Meu único foco naquele momento era voltar a minha vida de antes e, sinceramente, não pertencer a nenhuma família. Não queria ter filhos, nem marido, nem um cachorro cheirando a manga e muito menos ter um trabalho terceirizado à minha espera.

Como eu agradecia por aquele dia ser domingo.

Talvez, com um pouquinho de sorte, eu tivesse tempo de resolver aquela confusão antes de ter de acordar cedo para trabalhar em um emprego de um salário mínimo.

O problema é a sorte estar a meu favor. Isso é algo que nunca aconteceu.

— Papai, o que você vai fazer de almoço hoje? — Lily me encarava com seus gigantes olhos cor de amêndoa e, como se não bastasse ser chamado por aquele adjetivo outra vez, eu aparentemente cozinhava também.

Aquilo era mais uma prova de que eu estava vivendo em uma realidade paralela, pois eu não sabia nem sequer fazer panquecas ou ovos fritos.

— Você ainda está tomando café e já está pensando no que irá comer no almoço? — Harvey disse em falsa reprovação, mas, ao mesmo tempo, sorria para a pequena garotinha. Negou com a cabeça em seguida e soltou uma leve risada engasgada.

Será que eu deveria dar tapinhas nas costas dele sempre que fizesse isso?

Totalmente alheio ao que acontecia naquela mesa, tomei um gole de meu café enquanto estava perdido em pensamentos. Eu sentia os olhos de Harvey como águias observando cada movimento meu por cima da xícara. Contudo, resolvi ignorar a sensação incômoda que eu sentia, como se eu estivesse sendo minuciosamente observado, e também fingi que não vi, pois já tinha muito com o que me estressar.

— Mas eu estou com tanta fome, papai Harvey — Lily comentou sorridente, deixando de lado a feição cansada e sonolenta de antes. — Só quero saber o que vou comer de almoço...

— Tudo bem, tudo bem. — O homem de cabelos cacheados cedeu. — O que terá de almoço, papai Luc? — Questionou com um interesse demasiadamente exagerado por algo tão simples. Parecia estar à espera de um deslize meu para pular em cima de mim como se eu fosse uma presa diante de suas garras.

E talvez isso realmente acontecesse, pois eu não tinha a mínima intenção e vontade de atender suas expectativas e evitar decepcioná-lo.

— Não sei cozinhar.

Dei de ombros e tomei mais um gole de meu café, fitando Harvey à espera de uma reação sua. Algo como olhos arregalados, boca entreaberta, sobrancelhas franzidas, expressão indignada ou o sorriso desaparecendo de seu rosto faria com que eu me divertisse um pouco pelo menos.

Mas não foi isso que aconteceu.

Ele simplesmente deu um sorriso por detrás da xícara, seus olhos esverdeados se fecharam um pouco e suas covinhas apareceram com leveza, deixando-o com um ar jovial e, até mesmo, infantil.

— Sabe sim! — Lily teimou insistentemente e cruzou os braços, acenando positivamente e com vontade a cabeça. — Você sabe, papai. Eu amo sua comida, lembra?

Destino EstranhoOnde histórias criam vida. Descubra agora