22. Plano A

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"Quero que você se lembre de mim. Se você, apenas você, se lembrar de mim, não me importo que o resto do mundo me esqueça."

Haruki Murakami, Kafka à Beira-Mar

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Mesmo correndo com a velocidade que meus pés suportavam e tentando o meu máximo para alcançar a viatura dos bombeiros, meu esforço parecia ser em vão no momento em que levantei os olhos e notei que estava quase perdendo de vista o automóvel que eu e Sirene perseguimos. A sola de meu chinelo batia contra o asfalto frio e eu tentava não pisar em minha própria calça de pijama enquanto tinha como único objetivo naquele momento alcançar Harvey. Contudo, eu estava começando a perceber que era de extrema estupidez querer perseguir um veículo que andava a pelo menos a 60 km/h naquelas estradas.

Onde eu estava com a cabeça, afinal?

Acabaria morto por falta de ar ou até mesmo atropelado por algum automóvel, prejudicando assim meu encontro com Harvey.

No entanto, para a minha surpresa, a cachorra parecia zombar de mim com aquela língua para fora enquanto corria determinada e cheia de energia atrás da sirene do carro de bombeiros. Seu rabo abanava, escorria saliva de sua boca aberta e ela me olhava como se aquilo estivesse sendo a parte mais divertida de seu dia. Naquele momento, peguei-me perguntando se ela de alguma forma se lembrava de mim e de Harvey, se ela se lembrava de qualquer coisa da outra realidade, porém, é claro, que eu jamais teria uma resposta para aquilo.

Depois de bons minutos subindo e descendo quadras, notei a corrida de Sirene diminuindo e um corpo de bombeiros muito bem à vista no final daquela rua. O carro em que Harvey estava há poucos minutos atrás se encontrava estacionado na frente do estabelecimento e eu consegui ver certa movimentação de bombeiros naquele local.

No mesmo instante, é claro, e do modo mais estúpido que poderia acontecer, meu coração começou a acelerar, bombeando sangue para minhas bochechas que rapidamente adquiriram um tom rubro, minhas pernas se enfraqueceram vergonhosamente, mordi o lábio inferior, parando aos poucos a corrida, e procurei com o olhar por Harvey. Eu estava cansado, com a boca escancarada puxando lufadas de ar e as bochechas extremamente avermelhadas, porém a única coisa que meus pensamentos conseguiram focar foram no dono dos cabelos ondulados.

Talvez fosse a força de meu pensamento ou o universo conspirando a meu favor ou o destino querendo traçar linhas no papel em branco ou até mesmo apenas uma mera coincidência, o fato era de que naquele exato instante Harvey resolveû aparecer, saindo da aglomeração enquanto dava risada e arrumava os suspensórios de seu uniforme.

Sim, Harvey se encontrava devidamente trajado com roupas de bombeiro.

Eu poderia ficar pior do que me encontrava?

Meu coração poderia bater assim tão rápido sem o risco de me provocar um ataque cardíaco?

Eu estava hiperventilando e somente desejava pular nos braços de Harvey. Eu podia sentir meus lábios serem repuxados, um sorriso se formar no instante seguinte e nem mesmo quis escondê-lo.

Não dessa vez.

E foi com o meu sorriso que Harvey finalmente olhou em minha direção. Ele me lançou um olhar calmo, sorrindo devido a alguma piada que estava sendo contada por um de seus colegas e com o corpo relaxado. Eu não sabia dizer quanto tempo ficamos olhando um para o outro, mas eu não desejava desviar e muito menos me afastar.

Meus lábios abriram ainda mais em um sorriso e notei que o sorriso de Harvey se abriu da mesma maneira. Meu coração parecia querer sair pela boca.

Aquilo estava realmente acontecendo, não estava? Eu estava quase beliscando meu braço para ter certeza.

Destino EstranhoOnde histórias criam vida. Descubra agora